O fim do verão também é uma estação

Há um pequeno espaço de tempo que acontece entre o verão e o outono, uma espécie de ponte entre estas duas estações que os orientais consideram ser a quinta estação do ano. Chamam-lhe o Fim do Verão ou o Verão Tardio. Explicam que é necessário este espaço de tempo para que a transição aconteça com suavidade entre a proposta que o verão faz de expansão, de energia abundante, de festas e romarias, de festivais e jantaradas, de dias longos e coloridos e o convite ao recolhimento e desapego que o outono anuncia. 

Diz o filósofo Lao Tzu na sua obra Tao Te King que “a natureza não se apressa e, no entanto, tudo é realizado” e é precisamente este desacelerar, este regresso ao enraizamento e ao centro a partir de onde tudo tem potencial para acontecer que este Fim de Verão propõe. São inúmeras as propostas à nossa volta: o cheiro a terra molhada que as primeiras chuvas espalham no ar, o dourado único do pôr do sol no horizonte, a brisa que se levanta ao final do dia e passa pelos ramos das árvores, provocando um som de restolhar como um convite à preparação para a  necessidade de largar, de desapegar, de deixar ir as folhas que em breve o outono irá propor. 

A Medicina Tradicional Chinesa sugere que olhemos para as mudanças de estações como oportunidades de reforçar a nossa saúde e prevenir as doenças, já que somos um reflexo de tudo o que existe à nossa volta. Mais do que a acupunctura, (o aspeto mais popular da MTC mas longe de ser o único – e, diz-me a experiência e a prática, longe também de ser o mais importante), existe um conjunto de hábitos e rotinas simples que podemos adotar, chamando até nós a responsabilidade pelo nosso bem estar. Cuidar de nós, reflexo direto e inter-dependente deste planeta, é também uma importante forma de ecologia. Talvez até seja um dos mais rebeldes atos de ativismo ambiental. E, mais uma vez, a Medicina Tradicional Chinesa está cheia de boas propostas para iniciarmos eta rebeldia. Nada melhor do que começar por acolher esta estação intermédia que honra a Terra, o nosso centro e que não é considerada no ocidente. 

Este Verão Tardio é tempo de começar a abrandar o ritmo e procurar o caminho de regresso a casa, ao centro, à intimidade. É tempo de nos aconchegarmos em conversas de fim de tarde com família próxima e amigos próximos. É tempo de escutar mais do que falar, de moderar em todos os aspetos da vida, numa pré-preparação para o Inverno, a estação da aparente escassez e de grande mistério que virá depois de, no outono sermos convidados a largar tudo o que nos pesa. É tempo de meditar, de refletir, de agradecer a abundância, os dias leves e despreocupados do verão, na confiança de que, no seu tempo, ele irá voltar a inundar-nos com a sua generosidade. É tempo de cuidar da Terra – que nutre, acolhe e transforma – e da sua expressão em nós: o poder nutritivo e transformador do nosso sistema digestivo. Seja físico, seja emocional, seja espiritual.

Regressar ao Centro, cuidar da Terra interior e alinhar o corpo, a mente e o espírito

Algumas propostas para acolher o Fim do Verão

No Corpo

Começa a trazer calor para dentro do corpo. Substitui as saladas e os alimentos crus por estufados suaves, salteados leves e refeições simples. 

Não abuses das gorduras, dos processados, dos temperos, dos pratos demasiado complicados.

Prefere vegetais de sabor adocicado como cenouras, abóboras, batata doce, repolhos.

Não saltes o pequeno-almoço, ele é importante nesta altura do ano para manter o teu sistema digestivo forte e nutrido.

Enraíza, prefere atividade física que fortaleça o teu contacto com o solo como Yoga, Tai Chi, Chi Kung, caminhadas.

Encontra o conforto no teu próprio corpo. Se necessário marca uma massagem, uma sessão de acupunctura ou reflexologia.

Na Mente

Inscreve-te naquele curso de meditação que há tanto tempo pensas fazer.

Canta, a voz cantada é o som da Terra. Canta no duche, no carro, junta-te a um coro, sobe a um palco. Canta a plenos pulmões e com garra.

Repensa a tua relação com as redes sociais, a televisão, as notícias. Cria momentos de desconexão total. Não receies, não vais perder nada de importante.

Abranda, não te apresses, larga o apego à tendência de te manteres super ocupada. A quietude pode ser o teu melhor ato de rebeldia.

Relaxa. Se for preciso, procura quem te aconselhe suplementos e plantas que te ajudem a fazê-lo.

No Espírito

Observa os acontecimentos à tua volta e identifica aqueles que te estão a convidar a acolher o fim do verão. Por vezes surgem pequenos eventos a lembrar-nos que a estação está a mudar e a despertar-nos para a importância de abrandarmos e nos centrarmos: uma quebra inesperada de energia em casa, um atraso de alguém que, de repente, nos cria um tempo de espera em que não temos nada para fazer, um livro que nos prende a atenção e nos impele a lê-lo.

Reflete sobre o que está a mais na tua vida, o que te pesa e gostarias de largar. Em breve o outono vai convidar-te a fazê-lo. Com preparação prévia, torna-se mais fácil, mais fluído, mais natural fazê-lo.

Procura estar próximo de quem te acolhe com amor, com quem te sintas tu mesma, com quem relaxes. Com quem possas exprimir as tuas verdades, ser a expressão de ti própria, compassivamente, sem máscaras nem receios. Resumindo, fica perto de que te faça sentir nutrida.

Respira fundo sempre que te lembrares. Se não te lembrares, coloca um alarme no teu telemóvel para te recordar de o fazer, pelo menos, a cada hora. Escolhe um som suave como um gongo. Existem inúmeras aplicações para isso.

Transforma-te através de um programa de desenvolvimento pessoal, de um circulo de partilha, de um retiro que ressoe contigo.

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