Como viver com vagar contribui para a qualidade dos meus dias
Desde que acordamos até que voltamos a adormecer, somos bombardeados por uma quantidade avassaladora de estímulos. Existe demasiada informação diversa a competir pela nossa atenção. Entre o momento em que adormecemos até despertarmos no dia seguinte, vivemos cada vez mais com a sensação de estar numa corrida constante de hiperestimulação.
Foi assim que me senti nos últimos tempos, desfocada e exausta sem conseguir definir concretamente porquê. Racionalmente, não via razões para que este mal estar fizesse sentido. Afinal, há mais de quinze anos, depois de um burnout que me levou repensar o meu modo de vida, a descobrir a meditação e a praticar Chi Kung, fui ganhando ferramentas que me permitiram adotar uma rotina de vida simples e com vagar, equilibrada entre momentos de trabalho e de abrandamento.
Mas ultimamente estas minhas práticas mais têm parecido uma espécie de panaceia para tudo o resto do que a sensação de equilíbrio, bem estar e propósito que antes me davam. Sim, nunca neste período abandonei a prática fundamental de meditação mas o resto do meu dia foi sendo preenchido com ruído, informação, inquietação e movimento constantes.
Continuo a achar que o estímulo é positivo. Contudo, numa época em que somos bombardeados com tanta informação vinda de todas as direções, torna-se vital perceber como podemos encontrar um equilíbrio. Foi por isso que, este verão, após atingir um pico de cansaço físico e mental, reservei uns dias para descansar e redefinir as minhas prioridades.
Encontrei o lugar ideal para esta pausa na costa alentejana, numa casinha de madeira rodeada de árvores e silêncio, com fraca ligação à internet mas forte aos sons da natureza. Saboreei esse tempo com vagar, aproveitei para respirar fundo e preparar o novo período de trabalho. Chegado setembro, o mês de novos começos, estou mais alinhada e pronta para retomar o caminho que me faz sentido.
Regresso à rotina dos dias com três decisões, alinhadas com o desejo de quebrar o ciclo de estimulação constante que me desfoca e me rouba a criatividade:
Fazer um detox digital sem radicalismos
Lembro-me quando escolhi abraçar um estilo de vida mais simples, fiz um “Low Buy Challenge”. Esta é uma expressão inglesa ligada a um movimento que promove o decrescimento do consumo e pode ser traduzida como Desafio Redução de Compras. A proposta é assumir o compromisso de reduzir a compra de bens que não sejam de primeira necessidade. Por exemplo, uma das regras que defini para mim para este ano foi comprar não mais do que três peças de roupa por estação. Outra foi comer fora apenas 2 vezes por mês. Outra ainda foi abdicar da manicure. Cada pessoa pode definir quais bens não essenciais que está disposto a reduzir e estabelecer os limites que considera razoáveis para si. Este modelo ajudou-me tanto a refletir como a mudar os meus hábitos de consumo que o repliquei na minha relação com a tecnologia e com o tempo online. Ou seja, para um detox digital sem radicalismos, defino à priori um período de tempo em que uso a tecnologia de forma mais controlada. Essas janelas de tempo trazem-me clareza sobre como me sinto quando não cedo ao impulso das redes sociais, dos emails, das notícias e notificações. Cada um fará as regras que melhor se adaptem à sua realidade e à situação com a qual se sente confortável sendo que, no final, o objetivo será sempre reduzir o tempo online. Pode ser uma manhã sem tecnologia, silenciar as notificações das aplicações no telemóvel ou reservar um dia um dia inteiro sem conexão ao digital. Não há certo ou errado, há a medida certa para cada um. No meu caso, percebi que tanto o meu computador como o telemóvel são fontes de muitos estímulos e grandes manipuladores da minha atenção. Desde que adotei a pequena regra “desconectada a partir das oito da noite”, recuperei hábitos mais regulares de leitura e a prática de pequenos hobbies – como o crochet e o origami – que aos poucos, sem me aperceber, tinham perdido espaço para a tecnologia.
Dar atenção ao que estou a fazer, uma tarefa de cada vez
Sempre que estou envolvida em atividades como limpar a casa, cozinhar, conduzir, fazer exercício físico ou comer, procuro um estímulo para me entreter mentalmente. Podem ser coisas como um filme ou uma série, um podcast, um audiolivro ou um concerto. Imagino que não seja a única a fazer isto e, aparentemente, até é algo inofensivo. Mas comecei a reparar que sempre que me preparava para cozinhar, caminhar ou lavar os dentes, a primeira coisa que fazia era pegar no telemóvel e escolher o que é que ia ouvir para me acompanhar na tarefa. Há pouco tempo quando me preparava para uma viagem de carro entre Lisboa e Montemor-o-Novo percebi que isto pode não ser assim tão linear. Tinha sido um dia intenso de trabalho, reuniões e estímulos vários na capital e estava ansiosa por regressar ao sossego do Alentejo onde vivo. Contudo, dei por mim sentada no carro parada durante mais de 10 minutos, a percorrer a lista de podcasts, incapaz de decidir qual ouvir durante a viagem. Em 10 minutos poderia já ter atravessado a ponte e estar um bocadinho mais perto do meu objetivo: chegar a casa e relaxar. Perguntei-me porque razão precisava eu de estar constantemente cercada de sons. Sim, aparentemente é apenas uma forma de me manter entretida mas, naquele momento, senti que estava a ser mais prejudicial do que benéfico. Num dia tão cheio como aquele pareceu-me que todo o conteúdo que fui absorvendo nos diferentes momentos se estava a transformar numa nuvem indistinta de vozes e sons na minha cabeça. Optei por conduzir em silêncio e deixar a mente vaguear por onde lhe apetecesse. Foi nessa viagem que a ideia para este artigo surgiu! Escrevi-o todo na minha cabeça, com vagar, durante esses sessenta minutos de condução.
Deitar fora, arrumar e simplificar a casa
Podemos ter mais ou menos consciência disso mas estamos constantemente a absorver uma quantidade tão grande de informação ao longo dos nossos dias que muitas vezes nos sentimos assoberbados e nem percebermos porquê. É por isso que aquilo que encontramos em casa casa é tão importante. Sobretudo para quem, como eu, tem uma personalidade introvertida e extremamente sensível a estímulos. Tendo a sentir tudo à minha volta de forma mais intensa e profunda do que a maioria. Por isso, tenho mesmo de ser intencional e seletiva relativamente àquilo a que me quero expor para não me sentir esgotada. Sim eu sei que muitas vezes é algo que não podemos propriamente escolher, seja por questões profissionais, sejam obrigações que tenhamos de cumprir. Mas podemos criar um ambiente calmo e propício ao relaxamento nas nossas casas. Neste momento vivo numa casa que é uma espécie de “casa entre casas”, enquanto construo o caminho para me mudar para uma casa ainda mais imersa na natureza. Esta situação de viver provisoriamente tem-me ajudado a refletir e a praticar o processo de descomplicar e destralhar e, consequentemente, a constatar como é importante que o que me cerca me transmita paz de espírito, conforto e segurança.
Promover o bem estar pessoal é uma responsabilidade individual que nem é tão simples como ler um artigo online ou ver um video no youtube ou tomar os suplementos da moda. Nem tão complicada como muitas vezes nos parecem os programas de desenvolvimento pessoal dos novos influencers, os retiros de detox instagramáveis ou as dietas restritivas com alegados super-alimentos.
O meu processo é garantir o equilíbrio através de um estilo de vida simples, vivida com vagar. Quando tenho muitas solicitações profissionais, preciso de momentos de solidão, silêncio e contemplação. Em épocas de maior azáfama, organizo os dias sem esquecer momentos de pausa. Se passei um dia inteiro a olhar para o computador, não o termino sem uma caminhada entre as árvores. Se estou em períodos de muita interação social, sei que vou ter de reservar um dia no calendário para ser ermita.
Claro que preciso de estímulos na minha vida, como toda a gente. Todos precisamos de estar em contacto com outras ideias, pessoas diferentes, locais diferentes, novas perspectivas. Mas é igualmente importante perceber quando é demais e saber o que fazer para recuperar. Porque a vida é para estarmos bem, o maior número de horas possível. De preferência, com vagar.