Apesar da minha opção de um estilo de vida meio nómada, vivendo nos últimos anos permanentemente entre viagens, os intervalos em que regressava a Lisboa eram preenchidos com uma alegria de estar perto das minhas origens, numa cidade lindíssima, com uma luz muito própria, acolhedora e onde viviam algumas das pessoas que mais amo. Lembro-me em particular dos anos em que trabalhei no Reino Unido e da boa sensação que crescia em mim sempre que se aproximava a data de ir a Portugal de férias ou de fim de semana prolongado.
No rescaldo de uma pandemia, num desses regressos, quando percebi que não iria ser possível voltar a Inglaterra, achei que esta estadia inesperada em Lisboa poderia ser aproveitada para honrar a minha cidade e usufruir dela com tempo, calmamente, permitindo-me espaço para perceber o que iria fazer da minha vida a partir dali. Mal sabia eu que, nessas minhas caminhadas pelas suas ruas, Lisboa iria revelar-me mais do que a confirmação da paixão que tenho por ela.
Passei um par de meses a vaguear por Lisboa, em dias sem pressa e sem planos, apenas a usufruir. No meu vagar numa cidade que, durante tantos anos me conheceu apressada, optei por observar as ruas como se nunca as tivesse visto antes. No Rossio, houve um dia que parei mesmo em frente ao Teatro Nacional D. Maria II. Quantas vezes já teria ali estado? Incontáveis. No entanto, tenho a certeza de que, naquele dia, foi a primeira vez que olhei de facto para a sua fachada. Está lá desde 1846, mas só naquele momento é que os pilares, as janelas e as belas estátuas que guardam a entrada principal começaram a existir para os meus olhos.
Tomei também consciência que, ao contrário de Londres, uma cidade enorme e impessoal onde cheguei a sentir o peso da solidão, em Lisboa não é difícil encontrar velhos amigos. Aconteceu mais que uma vez, nestes passeios sem rumo, encontrar um rosto familiar que se sentou, por acaso, na cadeira vazia ao meu lado no metro. E, aproveitando a coincidência, decidirmos sair juntos na mesma estação para caminhar até uma das esplanada na Rua Cor de Rosa do Cais do Sodré e falar sobre a vida, sobre chegadas, partidas e planos para o futuro. E, no caminho, paramos, de repente, maravilhados pelos artistas de rua a tocar na Rua Augusta, tomando consciência de onde estávamos: uma das mais bonitas ruas do mundo que liga o centro da cidade ao rio Tejo, terminando num impressionante Arco do Triunfo, abrindo-se para o Terreiro do Paço, onde a cidade se rende ao rio.
Foram meses muito bons estes, em que confirmei, neste meu ritmo lento, o meu amor por Lisboa também em lugares tão familiares como o Chiado que me acolhera durante os anos da minha vida académica, onde lojas hipster e restaurantes de cozinha de autor florescem onde quer que haja um pequeno espaço. Ou o velhinho Bairro Alto que guarda alguns dos segredos irreveláveis da minha adolescência que, em paralelo com casas de Fado e restaurantes típicos, acolhe galerias de arte, alfarrabistas, ateliers de artistas, lojas de tatuagens, bares e discotecas.
Lisboa é o local no mundo onde nasci, onde cresci e onde comecei a ser a pessoa que sou hoje. Tem sido testemunha do melhor e do pior que a vida me tem proporcionado. Foi tão bom sentir-me acolhida por ela nesses meses, dando-me tempo para que ela ao mesmo tempo me revelasse que o meu futuro, pelo menos o futuro imediato, não passaria por ela. Nos meus passeios, Lisboa mostrou-me que se estava a deixar conquistar pela gentrificação, pela pressa desmedida, pelo turismo de massas, pela descaracterização. Lisboa estava com pressa de usufruir do protagonismo que os olhos internacionais, de repente, lhe tinham dado e uma parte de si, deixou-se encantar, sem pensar nas consequências. E eu, que estava exatamente no movimento contrário, numa busca pela vida vivida com vagar, de forma mais autêntica e perto da natureza, percebi que, para continuar a amá-la, tinha de me afastar.
Decidir que, agora que iria ficar a viver em Portugal, não era em Lisboa que ia morar, fez dela uma cidade ainda mais bela e ensolarada, confirmando o meu amor incondicional por ela. Sentada tranquilamente junto ao Tejo a comer um gelado artesanal, perto do Cais das Colunas, despedi-me em vésperas de me mudar para o Alentejo, onde vivo atualmente e de onde parto e regresso das minhas viagens e aventuras pelo mundo. Esta decisão reforçou o fascínio e orgulho que tenho pela minha cidade natal em que ainda confio que um destes dias talvez me diga que chegou momento de voltar a acolher-me por inteiro.