Ponto Final. Novo Capítulo.

Tropecei na história bíblica de Noé. Mais precisamente, no momento em que Deus vê o estado do mundo. E o que vê deixa-o tão triste, tão perturbado que decide acabar com tudo. Diante do estado a que as coisas tinham chegado, a única saída que Ele vislumbrou (e atenção: “Ele” era Deus) foi realmente acabar com tudo. Mas como havia uma réstia de esperança (afinal Ele fora o criador de tudo e sabia que, na raiz, havia algo de bom), Deus decidiu que deixaria uma hipótese de reinício. Era um ponto que assinalava o final de um parágrafo, mas ainda havia muito para ser escrito. 

Foi aí que Noé surgiu, com a missão de preservar a vida na Terra para que, quando a destruição de Deus terminasse, houvesse matéria para repovoá-la. Assim, durante quarenta dias enquanto águas diluviais destruíam tudo o que era vida neste planeta, a semente de cada ser vivo era preservada por Noé, protegida dentro de uma embarcação, uma arca que resistiu a toda a intempérie. Quando os ventos acalmassem, as tempestades se silenciassem e as águas voltassem a baixar, todos poderiam sair em segurança e começar de novo. Do nada. 

A semana passada visitei uma vinha. Fiquei a saber que as videiras eram velhas e provavelmente já não dariam praticamente uvas na próxima colheita. Seriam produzidos poucos cachos, pouco sumarentos, insuficientes para fazer vinho. Em breve, aquela vinha seria arrancada, destruída. A terra onde antes estava plantada ficaria nua. Mais um parágrafo – ou um capítulo – em que o ponto não representa um ponto final. 

Cada uma das bagas de uva que ainda nasceria traria consigo algo precioso: os caroços. Ou seja, as sementes que guardam em si a esperança de uma vida renovada. De uma vinha nova, cheia de vida e de força para voltar a produzir o melhor vinho da região. Cada pequena semente representaria o início do capítulo seguinte, dando origem a uma vinha que surgisse a partir do aparente nada que restara. 

Ao longo da minha vida, passei por três momentos limite. Momentos em que tudo esteve tão caótico, tão negro que acreditei já não haver esperança de mais nada para mim. A vida parecia extinguir-se e eu não via por onde escapar da escuridão. Nas três ocasiões senti medo, encolhi-me e cheguei a acreditar que o fim era inevitável. Em cada uma delas, houve um instante em que o ponto no final da frase me pareceu, de facto, um ponto final.

Mas não foi. Em cada momento, a vida renovou-se, a luz voltou a acender-se, o cursor do editor de texto voltou a piscar e eu comecei um novo capítulo. É por isso que tanto a pontuação, como as metáforas e as histórias que ouvimos, lemos e contamos são fundamentais. A pontuação, porque nos ajuda a decidir em que parte do nosso texto podemos questionar, exaltar, pausar, repetir, listar e parar; e as metáforas, porque nos mostram que a organização da vida não é assim tão diferente em cada ser. Revelam-nos que basta parar, observar e refletir para perceber que, no final, a vida vence sempre. A nós cabe-nos apenas dar-lhe a pontuação certa.