O discreto segredo espiritual da Catalunha

Seu de Manresa

O que há de tão especial em Manresa, uma cidade industrial na Catalunha central, em Espanha? Por que haveria de querer lá ir? Mal sabia eu que, naquela manhã em que todo o meu ser resistia em entrar no autocarro que me levaria até lá, aquela viagem estava prestes a mudar radicalmente a minha perceção sobre a fé. 

À primeira vista, parecia que, além da famosa Basílica de Santa Maria de la Seu e da caverna de Santo Inácio de Loyola, pouco mais havia de interesse naquela cidade. A minha mente continuava a dizer-me que não valia a pena a visita. Ficar mais alguns dias em Montserrat a explorar aquele local mais profundamente parecia-me uma opção melhor. Mas, apesar do ruído do meu cérebro, alguma coisa que eu não sabia explicar empurrava-me para Manresa.

À chegada, fui recebida por um tempo nublado, húmido e desconfortavelmente quente. Não ajudou com o meu mau humor. Andei para cima e para baixo na rua onde me esperavam para almoçar, mas não consegui encontrar o restaurante que me prometera a melhor paella vegetariana da região. Quando decidi olhar para cima em vez de para baixo, encontrei-o: no primeiro andar de um prédio, a porta abria-se para uma sala de jantar simples, minimalista e elegante. Quando a paella chegou, acompanhada pelo sorriso acolhedor do chef, percebi que estava a esforçar-me demais para manter o mau humor. Tudo estava delicioso e feito com tanta dedicação. Nem que fosse apenas para honrar o trabalho do Chef, seria melhor se me rendesse às circunstâncias, esforçando-me por abraçar um estado de espírito mais relaxado.

Tinha tomado a primeira decisão sábia do dia: alterar o meu estado de espírito. Como frequentemente acontece, a realidade começou a mudar em concordância. A partir de então, Manresa começou a revelar-se como o lugar certo para estar naquele preciso momento . Da minha parte, só precisava estar disposta a dar-lhe uma chance.

Conheci Jordi Piñero, um historiador e investigador cujo trabalho se foca nos aspetos holísticos dos monumentos históricos de Manresa. Jordi convidou-me a caminhar com ele até à Catedral enquanto explicava como foi cuidadosamente construída num lugar muito especial: uma forte corrente telúrica – o movimento geomagnético gerado pelo campo magnético da Terra que fluía paralelo à superfície terrestre. Ou, de outra perspetiva, um campo de energia com o poder de influenciar o nosso bem-estar. O meu cérebro, mais dado a ceticismos, olhava para uma igreja católica gótica do século XVI e perguntava-se se isso não seria apenas uma coincidência. Ou conversa para turistas! Naquela época, as pessoas não tinham acesso ao conhecimento que temos atualmente e certamente não possuiam os recursos científicos para analizar todas essas correntes e movimentos geomagnéticos.

Enquanto o seguia para dentro do edifício, Jordi explicou que a estrutura em forma de cruz é uma representação da figura humana de braços abertos. Ao longo da linha central, é possível observar sete círculos, “Os 7 chakras,” disse. Perguntei-lhe como é que os nossos antepassados sabiam? Como é que uma instituição tão conservadora como a Igreja Católica permitiu estas crenças? Jordi limitou-se a encolher os ombros e explicar que os chakras têm muitos nomes. “Representam o potencial humano para a evolução espiritual. É um conceito universal.”

A teoria “tudo está conectado” fez tanto sentido naquele local. Agora parecia óbvia a relação entre os conceitos de diferentes religiões e crenças, representadas num único monumento construído há mais de cinco séculos. Não me importava de ter ficado ali o resto da a tarde a ouvir as histórias de Jordi. A minha longa busca para entender a fé, o divino e o significado da vida humana estava ansiosa por saber mais. Mas, embora ainda não soubesse, havia mais à minha espera.

Segui para a Gruta de Santo Inácio, um local de peregrinação onde se crê que o Santo passou vários meses a meditar e a escrever o seu famoso livro de Exercícios Espirituais. Santo Inácio chegou ali depois de uma longa caminhada de 2000 km desde Loyola, no País Basco. Fê-lo com o intuito de descobrir, entender e consolidar a sua conexão com Jesus.

Fui recebida por um padre jesuíta que abriu a porta da caverna e me convidou a entrar. O padre narrou brevemente a história da vida do Santo e concluiu: “Para descobrir a luz, é preciso conquistar o ego. Para conquistar o ego, é preciso render-se.” A rendição sempre foi um desafio para mim, uma controladora nata. O meu corpo retraiu-se só de ouvir a palavra. Ao mesmo tempo, surgiu uma sensação agradável de formigueiro na ponta dos dedos.

Como se soubesse o que se passava dentro de mim, o padre foi mudando o discurso de um ponto de vista católico para as mesmas teorias holísticas e integrativas partilhadas por Jordi pouco antes, na Catedral. O meu anfitrião continuou a explicar que, independentemente das nossas crenças, ao longo das nossas vidas, entre os 40 e os 50 anos de idade, começamos a sentir uma urgência em questionar, explorar e transformar alguma coisa dentro de nós. Podemos abraçar esse impulso e tornar-nos exploradores do nosso eu interior ou ignora-lo e seguir em frente, com menos consciência para receber a fase seguinte da vida. Os jesuítas – inspirados pela experiência de Santo Inácio – acreditam que todos devemos mergulhar profundamente nesta oportunidade de transformação. Para isso, disponibilizam programas para guiar qualquer pessoa que se sinta compelido a abraçar o processo. “Este é o propósito deste Centro”, disse-me, enquanto a porta do elevador se abria no último andar do edifício.

Convidou-me a entrar numa sala lindíssima com chão de madeira e praticamente vazia. Pousada no centro, estava apenas uma taça vazia, iluminada pela luz que entrava através de uma claraboia, diretamente acima. “Não nos importa se és budista ou muçulmana ou ateia. Se entrares nesta sala de meditação com a tua taça interior vazia, se silenciares o teu ego, se te renderes, podes permitir que a luz preencha o teu espaço. Foi isso que Santo Inácio percebeu exatamente a 24 de março de 1522, o dia em que atingiu a iluminação.” No momento em que o padre mencionou a data, a sensação de formigueiro nos dedos espalhou-se pelo corpo todo.

Tinha passado o dia a ouvir falar sobre todas estas teorias como se fossem respostas às minhas constantes dúvidas internas sobre fé e religião. Começava a entender que talvez não precisássemos deste ou daquele simbolismo para aceder à nossa espiritualidade. Estava a ficar claro que não são o Cristianismo, o Hinduísmo, o Islão ou as teorias da Nova Era que detêm a verdade absoluta e inquestionável sobre a transcendência. Começava a fazer sentido que, desde que estivesse determinada a seguir o caminho da autodescoberta, poderia tornar-me um ser humano melhor. Ao fazer isso, estaria a fazer a minha parte para o bem maior da humanidade.

E foi enquanto eu me perdia nestes pensamentos que o padre mencionou aquela data especial. Uma data tão familiar e tão importante para mim que fez soar campainhas internas quando a ouvi e regressar a uma atenção cuidada ao que o meu anfitrião narrava. No mesmo dia, 24 de março, mas 450 anos depois, eu nasceria. Santo Inácio resolveu o mistério da existência no mesmo dia em que cheguei a este mundo, 5 séculos mais tarde.

Em qualquer outra altura, eu teria achado aquele facto apenas uma coincidência curiosa e seguiria em frente. Mas aquele dia tinha-se tornado tão cheio de revelações e epifanias que decidi aceitá-lo como um sinal.

Então, eu – uma mulher de pouca fé, uma exploradora do misticismo sempre à procura de falhas – rendi-me. Rendi-me a esse dia e a tudo o que ele me ofereceu, rendi-me à minha teimosia e mau humor e até me rendi momentaneamente ao meu ego que, naquela manhã, tanto insistira que Manresa não tinha nada para me oferecer.

O que há de tão especial em Manresa? Agora posso dizer que é o lugar onde eu, depois de tantos anos dispersa, a vaguear, perdida em tantas teorias diferentes, fiz as pazes com a minha fé. Meu Deus, que caminho tenho agora pela frente agora!

Minimalismo em Movimento: Como o Caminho de Santiago Mudou Minha Perspectiva

“Mais vale renunciar do que tentar manter cheio um vaso que vai transbordar.”

Lao Tzu, in Tao Te King

Já vos aconteceu planear uma viagem com o intuito secreto de que ela mude a vossa vida?

Esta é uma sensação pela qual já passei algumas vezes. Mas não foi a que me motivou quando comecei a planear a minha primeira aventura pelo Caminho de Santiago, que hoje, prestes a embarcar na segunda, revisito. 

Nessa altura eu achava que já tinha transformado a minha vida vezes de mais. A minha motivação para fazer o caminho era apenas um contacto próximo com a natureza, uma apreciação do silêncio e a descoberta dos meus limites físicos. Com uma lesão na cervical, na altura bastante incomodativa, eu sabia que teria de balancear muito bem o peso, o tempo de caminhada e a qualidade do descanso. Tudo isto com as despesas muito bem controladas.

Comecei a estudar a mochila e o que colocar lá dentro uma semana antes. O que é que me ia fazer realmente falta? Um livro! Era uma viagem de quase 10 horas de autocarro, haveriam tempos mortos a partir do meio da tarde e tinha planeado uns dias de descanso no final. E eu nunca viajo sem livros! Desta vez estava disposta a levar apenas um. Um caderno e uma caneta, exactamente pelas mesmas razões que o objecto anterior. A máquina fotográfica, evidentemente. Água e alguns alimentos de recurso. Produtos de higiene pessoal incluindo champô, gel de banho, creme hidratante, escova e pasta de dentes, protector solar, creme das mãos e escova de cabelo.

Mesmo ainda sem ter separado a roupa, já a mochila transbordava e pesava consideravelmente, na sua modesta capacidade de 20 litros. Percebi que, embora ainda faltasse uma semana, a minha caminhada já tinha começado. Talvez fosse melhor tornar-me um pouco mais curiosa e humilde sobre o que é que o Caminho poderia ter para me ensinar. 

Era evidente que precisava repensar as minhas escolhas: o livro pesava e ocupava espaço. Fora! O caderno, troquei-o por um pequeno bloco de notas que cabia no bolso das calças. A máquina fotográfica implicava levar o carregador de baterias. Era um disparate, tinha a câmara do telemóvel. O cantil de água ficou assim como alguns saquinhos de frutos secos para uma emergência.

Quando cheguei à bolsa de produtos de higiene senti-me ridícula. Champô e gel de banho? Cremes da cara e das mãos? A bolsa regressou para dentro da mochila apenas com uma pequena barra de champô sólido, protector solar, um pente, a escova e a pasta de dentes. 

Felizmente para a roupa, tinha entretanto desenvolvido outra qualidade na minha selecção e acabou por ser mais rápido: 2 t-shirts, 2 pares de cuecas, 2 pares de peúgas, 1 par de calções, um vestido leve (nunca se sabe!), um fato de banho, uma pequena toalha e um par de chinelos para arejar os pés no final do dia. Mais a roupa que levava vestida: calças, t-shirt, camisola quente e casaco impermeável. 

De entre as tantas lições inesperadas que me aguardavam neste Caminho, aliviar o peso da bagagem foi a primeira que revolucionou a forma como viajo até hoje. Agora, a dar os primeiros passos na preparação de nova caminhada até Santiago, recupero esta sabedoria que trouxe comigo da primeira. Sobretudo porque, passados estes anos, para além de uma cervical sensível, ganhei também uma cabeça de fémur de titânio e uns intestinos reativos ao glúten.

Se, como eu, queres evitar peso desnecessário na tua bagagem e desfrutar ao máximo da experiência da viagem, deixo aqui quatro reflexões que sigo sempre que faço as minhas malas:

1. Planear com antecedência: Fazer uma mala à última da hora não é boa ideia. Perdemos o discernimento e acabamos por colocar coisas a mais, embaladas pela ansiedade da pressa. Lembro-me de uma vez, ainda a trabalhar na televisão, ter sido informada que tinha de estar em Los Angeles para uma reunião dali a dois dias. Aliada à excitação de ir conhecer esta grande cidade, veio o stress de não saber o que esperar em termos de meteorologia e não ter muito tempo para refletir em conjugações versáteis. Chegada ao momento do check in no aeroporto com uma mala a rebentar pelas costuras de roupa da qual metade não usei, dei conta que me tinha esquecido do essencial: – o passaporte! Atualmente começo por fazer uma lista dos itens a levar. De seguida divido-os em indispensáveis, essenciais e prescindíveis e vou selecionando à medida que vou avaliando o peso que estou disposta a carregar comigo. Em matéria de vestuário, escolho peças versáteis que possa combinar entre si, diminuindo o número de peças.

2. Escolher o equipamento certo: Planeei visitar o meu irmão em Norfolk na altura em que ele lá esteve em Erasmus. Era inverno e sabia que ia encontrar neve e muito frio. Olhei para a maior mala que tinha no armário e atirei lá para dentro todas as camisolas quentes, meias de lã, casacos, cachecóis e gorros que encontrei. Assim que comecei a descer as escadas do prédio, na saída para o aeroporto, percebi que tinha feito asneira. Apesar de ser de qualidade, a mala era enorme e eu abusei de todo o espaço que ela me disponibilizou. As rodas mal deslizavam e eu tinha de a puxar com as duas mãos para conseguir transportá-la. Já no Reino Unido – que não é famoso pela fácil acessibilidade na sua rede de transportes públicos – subir e descer escadas de metro e comboio foi uma aventura muito suada. A certo momento, um senhor inglês prestável, ao ver-me desesperada a tentar subir um infindável lance de escadas com a mala atrás, ofereceu-se para me ajudar. Arrependeu-se assim que pegou naquele monstro gigante e lhe tomou o peso. Mas não deu parte de fraco. Chegou ao cimo da escada branco e a escorrer suor. Aposto que nunca mais se ofereceu para ajudar “donzelas em apuros”. Hoje prefiro mochilas com boas proteções para as costas, troleis pequenos e resistentes com um sistema de rodas deslizantes eficaz. Sei que, limitando o tamanho da minha bagagem, terei necessariamente de limitar também as escolhas do que coloco lá dentro.

3. Utilizar organizadores de bagagem: Aprendi a usá-los numa roadtrip pelo sul da Europa em que, a cada dia, ficava num local diferente. Sempre em movimento, fazer e desfazer a mala era uma tarefa diária. Ao terceiro dia tinha exatamente o mesmo número de peças mas, com o caos instalado, já não as conseguia enfiar todas dentro da mala. Foi quando a minha companhia de viagem me apresentou os organizadores. Se ao início podem parecer uma redundância, depois desta experiência garanto que não são. Os organizadores de bagagem ajudam a maximizar o espaço e a manter as coisas arrumadas durante a viagem. O que faço é separar os objetos por categorias e utilizar sacos individuais para cada uma delas.

4. Desfrutar do simples: Quando se fazem 100 kms a pé, tendo de transportar às costas tudo o que é preciso para sobreviver durante esse tempo, o peso e valor de cada objecto que decidimos transportar na mochila ganha nova perspectiva. A experiência de carregar apenas o essencial fez-me reconsiderar o que realmente importa. A simplificação tornou-se uma escolha, não apenas para viagens, mas para o meu dia a dia. Desde então, tento adotar uma abordagem mais consciente em relação a tudo o que possuo, optando por qualidade sobre quantidade e valorizando cada objeto pelo seu propósito e significado. Essa mudança de mentalidade não só aliviou o peso físico das minhas viagens, como também trouxe um novo significado ao meu conceito de liberdade. Caminhar – e viver o dia a dia – sem peso desnecessário às costas, permite-me estar totalmente presente no momento. Afinal a riqueza da vida não está na quantidade de bagagem que levo ou naquilo que possuo mas sim nas experiências que vou guardando na mochila ao longo do percurso da vida.

Domitília Carvalho: Abrir caminho

No início de janeiro estive em Coimbra, cidade que ainda não conhecia. Era inevitável uma visita à Universidade de Coimbra, apesar da minha relação pouco pacífica com o ensino superior. E ainda bem que o fiz porque, nessa visita, fiquei a conhecer Domitila Miranda de Carvalho, uma mulher cuja jornada me impactou e me fez pensar sobre a minha rebeldia para com o ensino académico.

A história de Domitila começou ainda no século XIX quando embarcou numa aventura sem precedentes e, contra todas as normas sociais da época, decidiu que queria frequentar a Universidade de Coimbra. Claro que não foi fácil quando o acesso ao conhecimento e ao ensino superior era um privilégio exclusivamente masculino. 

Depois de concluir o liceu com distinção, Domitília escreveu uma carta ao reitor da Universidade, um homem com valores muito conservadores. Na carta, a jovem invocava as razões pelas quais lhe deveria ser permitido ocupar um lugar lado a lado com os colegas homens. Fê-lo tão bem que, sem argumentos para contrapor, o reitor viu-se obrigado a aceitar Domitília. Mas com algumas regras restritas que a estudante teria de cumprir. Entre elas, teria sempre de se vestir sobriamente de negro, usar um chapéu discreto e em nenhuma circunstância lhe seria permitido ter qualquer atitude que a fizesse evidenciar-se entre os colegas masculinos. Sabendo que, por vezes, é preciso ceder em alguma coisa para que seja possível perseguir um sonho, Domitília concordou. Matriculou-se na Universidade de Coimbra em outubro de 1891 e, durante cinco anos, foi a única estudante mulher no ensino superior português. Mais, sabendo que para provar o seu mérito teria de trabalhar o dobro do que os seus pares homens, Domitília não se matriculou apenas num curso mas em dois: Matemática e Filosofia. Mais, terminadas as duas licenciaturas, voltou a matricular-se, desta vez em Medicina que também concluiu com distinção. 

Chegou a Lisboa para exercer funções de médica na Assistência Nacional aos Tuberculosos mas percebeu que a sua vocação estava na área do ensino e, honrando o seu lado rebelde, tornou-se professora no Liceu D. Maria Pia (atualmente liceu Maria Amália Vaz de Carvalho), a primeira instituição de ensino secundário criada em Portugal para o sexo feminino. Ocupou o lugar de professora de Matemática. Mais uma vez tornou-se as primeira mulher portuguesa a lecionar aquela disciplina.

Domitília era uma mulher irreverente mas nunca perdeu um lado conservador. Era monárquica e seguiu os princípios político-ideológicos do Estado Novo, apoiando o salazarismo desde o seu início. Quero acreditar que foi uma das opções que tomou, consciente que seria uma forma de a ajudar a conquistar espaço para as mulheres num mundo onde, até então, só os homens podiam aceder. Aceitou, nessa condição, ser uma das três mulheres convidadas pela União Nacional para integrar a lista única de candidatos a deputados na I Legislatura da recém-criada Assembleia Nacional do Estado Novo. 

Ainda assim, as visões conservadoras de Domitila não a impediram de promover e assinar uma petição a favor da legalização do divórcio em 1909. É esta polivalência que me leva a acreditar que, apesar de apoiante de uma ditadura, talvez isso tenha sido o meio que lhe permitiu deixar a todas nós, mulheres portuguesas que vieram depois dela, a herança da igualdade de acesso a oportunidades em todas as áreas da sociedade.

Estou longe de ser defensora do princípio de que todos os meios justificam os fins. No caso de Domitília, as concessões que fez – mesmo as aparentemente mais extremas – permitiram-na abrir precedentes e quebrar regras sem sentido relativamente aos direitos das mulheres em Portugal. Eu tenho dois cursos superiores e uma pós-graduação porque, no final do século XIX, Domitília não aceitou um não como resposta no acesso à Universidade de Coimbra. Por isso, estou-lhe grata. Tal como o estou a todas as mulheres que vieram antes de mim e abriram o caminho para a possibilidade de hoje eu ter acesso ao que tenho. Consciente de que ainda assim o mundo não é igual para todos, espero sem nenhuma modéstia que, na minha condição de mulher empreendedora e que viaja sozinha para qualquer parte do mundo, deixe também eu trilhos marcados que permitam melhorar a condição daqueles que vierem a seguir a mim. 

Sugestões de alojamento:

Hotel Astória: Fiquei aqui alojada há cerca de 5 anos, quando tive de ir a Coimbra para uma reunião de trabalho. Adorei a localização, mas sobretudo, o charme deste hotel histórico. Passar a porta é como entrar diretamento no início do século XX, uma época pela qual sou fascinada. Tem um dos elevadores mais bonitos que conhecço.

JR Studios & Suites: Foi aqui que fiquei em janeiro, mesmo ao lado do Convento de São Francisco e em frente ao Convento de Santa Clara a Velha. Os quartos são espaçosos, com uma decoração moderna, elegante ao estilo minimalista. As varandas oferecem uma vista deslumbrante sobre a cidade.

O que têm as Selfies a ver com turismo sustentável

Num mundo inundado pela moda das selfies, há uma narrativa oculta que permeia o encanto superficial das imagens perfeitas para as redes sociais. Essa busca incessante pela fotografia ideal pode obscurecer a verdadeira essência de uma experiência de viagem.

O que observei recentemente no Museu d’Orsay, para além das obras exibidas, foi um catalisador para esta reflexão. Enquanto parava diante de quadros de impressionistas que admiro e sentia o privilégio poder estar ali de pé diante deles, outros turistas corriam de sala em sala, na ânsia de registar cada quadro com os seus smartphones. A minha quietude e atitude mais contemplativa fez com que levasse alguns encontrões e atropelos destes visitantes mais apressados. Fiquei com a sensação que, na pressa de percorrer todas as salas e registar o máximo de imagens, se perdia a oportunidade de apreciar realmente a arte à frente dos nossos olhos.

A situação fez-me lembrar a história de Karthika Gupta, uma fotógrafa e escritora, que há uns anos viu o seu filho ser atirado ao chão por um conjunto de turistas no parque de Yellowstone, nos EUA, todos ansiosos por conseguir registar a selfie perfeita com bisontes ao fundo.

O Fenómeno da Selfie

A cultura da selfie não é só uma tendência; é um fenómeno que pode transformar locais incríveis em cenários de corrida frenética. O medo de perder algo (conhecido internacionalmente como FOMO – Fear Of Missing Out) e a pressa constante para documentar cada segundo para as redes sociais têm uma relação direta com as consequências atuais da superlotação turística.

A busca pela imagem perfeita pode comprometer a essência de uma experiência de viagem. Para mim, é difícil pensar visitar um destino sem tempo para o respirar, para o sentir, para me conectar com o seu solo, os seus sons, os seus silêncios, as suas cores e estabelecer ligação com aqueles que melhor conhecem os locais por onde passo: os seus habitantes.

Como resposta a este fenómeno de turismo massificado, alguns destinos estão a implementar medidas restritivas numa tentativa de controlar a superlotação e preservar a autenticidade do local. É o caso da Nova Zelândia – que adotou medidas para desencorajar fotos em pontos turísticos – e da cidade de Hallstatt, na Áustria, que ergueu uma parede para bloquear a visão dos Alpes em protesto contra a poluição sonora e o excesso de selfies. Também em Vermont, nos EUA foi desencorajada a visita de influencers durante a popular temporada de folhas secas no outono. Todas estas medidas podem ser um bom ponto de partida para uma reflexão sobre a necessidade de equilibrar a promoção do turismo com a preservação da autenticidade e da tranquilidade de cada destino.

A minha experiência no Museu d’Orsay relembrou-me da importância de apreciar cada momento, especialmente diante de obras de arte que perduram através dos séculos e contam a história da Humanidade e da sua capacidade de produzir beleza. É uma pena se permitirmos que a corrida às selfies nos impeça de sentir a magia de uma pintura, de nos perdermos nas pinceladas que contam histórias ou da maravilha que é nos conectarmos genuinamente com o nosso semelhante.

Como defensora do turismo sustentável, vejo isso como uma oportunidade de uma abordagem mais consciente no mundo das viagens. Que bom que é desacelerar, apreciar cada momento e respeitar os destinos que visitamos. Esclarecer os viajantes sobre a importância de vivenciar, em vez de apenas capturar é fundamental para a preservação da autenticidade das experiências de viagem.

A nossa ânsia de imagens perfeitas não deve extinguir a verdadeira beleza e significado de cada lugar que exploramos. Viajar com um propósito mais profundo, permitindo que exista espaço para a contemplação, a conexão e a verdadeira apreciação da riqueza cultural que o mundo tem a oferecer é uma experiência muito mais rica do que apenas a busca da imagem ideal para partilhar nas redes sociais.