Num mundo inundado pela moda das selfies, há uma narrativa oculta que permeia o encanto superficial das imagens perfeitas para as redes sociais. Essa busca incessante pela fotografia ideal pode obscurecer a verdadeira essência de uma experiência de viagem.

O que observei recentemente no Museu d’Orsay, para além das obras exibidas, foi um catalisador para esta reflexão. Enquanto parava diante de quadros de impressionistas que admiro e sentia o privilégio poder estar ali de pé diante deles, outros turistas corriam de sala em sala, na ânsia de registar cada quadro com os seus smartphones. A minha quietude e atitude mais contemplativa fez com que levasse alguns encontrões e atropelos destes visitantes mais apressados. Fiquei com a sensação que, na pressa de percorrer todas as salas e registar o máximo de imagens, se perdia a oportunidade de apreciar realmente a arte à frente dos nossos olhos.

A situação fez-me lembrar a história de Karthika Gupta, uma fotógrafa e escritora, que há uns anos viu o seu filho ser atirado ao chão por um conjunto de turistas no parque de Yellowstone, nos EUA, todos ansiosos por conseguir registar a selfie perfeita com bisontes ao fundo.

O Fenómeno da Selfie

A cultura da selfie não é só uma tendência; é um fenómeno que pode transformar locais incríveis em cenários de corrida frenética. O medo de perder algo (conhecido internacionalmente como FOMO – Fear Of Missing Out) e a pressa constante para documentar cada segundo para as redes sociais têm uma relação direta com as consequências atuais da superlotação turística.

A busca pela imagem perfeita pode comprometer a essência de uma experiência de viagem. Para mim, é difícil pensar visitar um destino sem tempo para o respirar, para o sentir, para me conectar com o seu solo, os seus sons, os seus silêncios, as suas cores e estabelecer ligação com aqueles que melhor conhecem os locais por onde passo: os seus habitantes.

Como resposta a este fenómeno de turismo massificado, alguns destinos estão a implementar medidas restritivas numa tentativa de controlar a superlotação e preservar a autenticidade do local. É o caso da Nova Zelândia – que adotou medidas para desencorajar fotos em pontos turísticos – e da cidade de Hallstatt, na Áustria, que ergueu uma parede para bloquear a visão dos Alpes em protesto contra a poluição sonora e o excesso de selfies. Também em Vermont, nos EUA foi desencorajada a visita de influencers durante a popular temporada de folhas secas no outono. Todas estas medidas podem ser um bom ponto de partida para uma reflexão sobre a necessidade de equilibrar a promoção do turismo com a preservação da autenticidade e da tranquilidade de cada destino.

A minha experiência no Museu d’Orsay relembrou-me da importância de apreciar cada momento, especialmente diante de obras de arte que perduram através dos séculos e contam a história da Humanidade e da sua capacidade de produzir beleza. É uma pena se permitirmos que a corrida às selfies nos impeça de sentir a magia de uma pintura, de nos perdermos nas pinceladas que contam histórias ou da maravilha que é nos conectarmos genuinamente com o nosso semelhante.

Como defensora do turismo sustentável, vejo isso como uma oportunidade de uma abordagem mais consciente no mundo das viagens. Que bom que é desacelerar, apreciar cada momento e respeitar os destinos que visitamos. Esclarecer os viajantes sobre a importância de vivenciar, em vez de apenas capturar é fundamental para a preservação da autenticidade das experiências de viagem.

A nossa ânsia de imagens perfeitas não deve extinguir a verdadeira beleza e significado de cada lugar que exploramos. Viajar com um propósito mais profundo, permitindo que exista espaço para a contemplação, a conexão e a verdadeira apreciação da riqueza cultural que o mundo tem a oferecer é uma experiência muito mais rica do que apenas a busca da imagem ideal para partilhar nas redes sociais.