Domitília Carvalho: Abrir caminho

No início de janeiro estive em Coimbra, cidade que ainda não conhecia. Era inevitável uma visita à Universidade de Coimbra, apesar da minha relação pouco pacífica com o ensino superior. E ainda bem que o fiz porque, nessa visita, fiquei a conhecer Domitila Miranda de Carvalho, uma mulher cuja jornada me impactou e me fez pensar sobre a minha rebeldia para com o ensino académico.

A história de Domitila começou ainda no século XIX quando embarcou numa aventura sem precedentes e, contra todas as normas sociais da época, decidiu que queria frequentar a Universidade de Coimbra. Claro que não foi fácil quando o acesso ao conhecimento e ao ensino superior era um privilégio exclusivamente masculino. 

Depois de concluir o liceu com distinção, Domitília escreveu uma carta ao reitor da Universidade, um homem com valores muito conservadores. Na carta, a jovem invocava as razões pelas quais lhe deveria ser permitido ocupar um lugar lado a lado com os colegas homens. Fê-lo tão bem que, sem argumentos para contrapor, o reitor viu-se obrigado a aceitar Domitília. Mas com algumas regras restritas que a estudante teria de cumprir. Entre elas, teria sempre de se vestir sobriamente de negro, usar um chapéu discreto e em nenhuma circunstância lhe seria permitido ter qualquer atitude que a fizesse evidenciar-se entre os colegas masculinos. Sabendo que, por vezes, é preciso ceder em alguma coisa para que seja possível perseguir um sonho, Domitília concordou. Matriculou-se na Universidade de Coimbra em outubro de 1891 e, durante cinco anos, foi a única estudante mulher no ensino superior português. Mais, sabendo que para provar o seu mérito teria de trabalhar o dobro do que os seus pares homens, Domitília não se matriculou apenas num curso mas em dois: Matemática e Filosofia. Mais, terminadas as duas licenciaturas, voltou a matricular-se, desta vez em Medicina que também concluiu com distinção. 

Chegou a Lisboa para exercer funções de médica na Assistência Nacional aos Tuberculosos mas percebeu que a sua vocação estava na área do ensino e, honrando o seu lado rebelde, tornou-se professora no Liceu D. Maria Pia (atualmente liceu Maria Amália Vaz de Carvalho), a primeira instituição de ensino secundário criada em Portugal para o sexo feminino. Ocupou o lugar de professora de Matemática. Mais uma vez tornou-se as primeira mulher portuguesa a lecionar aquela disciplina.

Domitília era uma mulher irreverente mas nunca perdeu um lado conservador. Era monárquica e seguiu os princípios político-ideológicos do Estado Novo, apoiando o salazarismo desde o seu início. Quero acreditar que foi uma das opções que tomou, consciente que seria uma forma de a ajudar a conquistar espaço para as mulheres num mundo onde, até então, só os homens podiam aceder. Aceitou, nessa condição, ser uma das três mulheres convidadas pela União Nacional para integrar a lista única de candidatos a deputados na I Legislatura da recém-criada Assembleia Nacional do Estado Novo. 

Ainda assim, as visões conservadoras de Domitila não a impediram de promover e assinar uma petição a favor da legalização do divórcio em 1909. É esta polivalência que me leva a acreditar que, apesar de apoiante de uma ditadura, talvez isso tenha sido o meio que lhe permitiu deixar a todas nós, mulheres portuguesas que vieram depois dela, a herança da igualdade de acesso a oportunidades em todas as áreas da sociedade.

Estou longe de ser defensora do princípio de que todos os meios justificam os fins. No caso de Domitília, as concessões que fez – mesmo as aparentemente mais extremas – permitiram-na abrir precedentes e quebrar regras sem sentido relativamente aos direitos das mulheres em Portugal. Eu tenho dois cursos superiores e uma pós-graduação porque, no final do século XIX, Domitília não aceitou um não como resposta no acesso à Universidade de Coimbra. Por isso, estou-lhe grata. Tal como o estou a todas as mulheres que vieram antes de mim e abriram o caminho para a possibilidade de hoje eu ter acesso ao que tenho. Consciente de que ainda assim o mundo não é igual para todos, espero sem nenhuma modéstia que, na minha condição de mulher empreendedora e que viaja sozinha para qualquer parte do mundo, deixe também eu trilhos marcados que permitam melhorar a condição daqueles que vierem a seguir a mim. 

Sugestões de alojamento:

Hotel Astória: Fiquei aqui alojada há cerca de 5 anos, quando tive de ir a Coimbra para uma reunião de trabalho. Adorei a localização, mas sobretudo, o charme deste hotel histórico. Passar a porta é como entrar diretamento no início do século XX, uma época pela qual sou fascinada. Tem um dos elevadores mais bonitos que conhecço.

JR Studios & Suites: Foi aqui que fiquei em janeiro, mesmo ao lado do Convento de São Francisco e em frente ao Convento de Santa Clara a Velha. Os quartos são espaçosos, com uma decoração moderna, elegante ao estilo minimalista. As varandas oferecem uma vista deslumbrante sobre a cidade.

Lanzarote: Uma Jornada Interior na Terra do Vulcão

Há cerca de uma década, aterrei em Lanzarote, a ilha vulcânica que foi a casa de José Saramago. Este pedaço de paraíso atlântico, com sua origem forjada em erupções vulcânicas, exibe um solo de lava que oferece à paisagem uma beleza árida. Naquela altura, assim como a terra que escolhi visitar, a minha mente passava por um período de aridez. 

Descobrir a beleza na aridez

Nos primeiros dias, a ausência de vegetação transmitiu-me a sensação de monotonia. Mas à medida que a ilha se revelava, eu ia-me também descobrindo. Percebi que, embora a vegetação pudesse ser escassa, a vida brotava em lugares inesperados. Tal como a nossa própria jornada interior.

A minha mente, tal como a paisagem, estava num estado de aridez emocional. Lidava com a perda e a exaustão do frenético mundo televisivo onde trabalhava. A prática meditativa ainda não fazia parte da minha realidade. Ainda assim, o abrandar e o simplificar eram verbos que já estavam em mim. Investi tempo a olhar para o horizonte, a contemplar o vazio aparente que se manifestava à minha frente.

A metáfora constante da transformação

Hoje, Lanzarote é mais do que uma recordação; é uma metáfora constante da nossa capacidade de transformação. Comparo-a ao terreno da mente, onde os pensamentos brotam como as flores no deserto. A meditação, agora parte integrante da minha vida, tornou-se a água que nutre a minha paisagem interior, e me ajuda a revelar o meu potencial latente.

Assim como os agricultores que desafiaram a aridez de Lanzarote, podemos cultivar recantos férteis na nossa própria mente. Em vez de evitar as áreas aparentemente menos interessantes, a meditação nos convida a explorá-las, olhando-as como oportunidades de transformação e crescimento.

A prática diária torna-se uma jornada de descoberta, onde as dificuldades são transformadas em oportunidades de visualizar a realidade sob uma nova luz.

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