Quando os planos falham

Os melhores planos são aqueles que começam aparentemente falhados para, afinal, conduzirem a experiências incríveis que, de outra forma, teriam ficado perdidas. Esta foi a conclusão que tirei do fim de semana que tinha organizado para participar numa atividade numa aldeia perdida algures na serra da Estrela, onde queria muito ir. Não cheguei à Serra da Estrela, muito menos participei na atividade, mas fui acolhida por um lugar muito improvável que me ofereceu a única coisa que eu, mesmo sem saber, estava realmente a precisar: paz de espírito.

A semana começou com um convite da Junta de Freguesia de uma pequena aldeia da Serra da Estrela para participar e escrever sobre a recriação de uma atividade ancestral, uma forma de preservar os saberes de outrora e passá-los aos mais jovens. Este é o género de trabalho que adoro, em que antecipo falar com os mais velhos e ter a oportunidade de recolher inúmeras histórias e conhecimentos de antigamente. No entanto, a meio da semana, recebi uma mensagem a informar que a atividade iria ser adiada. A minha visita naquela data deixava de fazer sentido.

Entretanto, já tinha desenhado – e iniciado – um percurso de dois dias para lá chegar, com passagem por outros locais que também queria conhecer. Normalmente aproveito as minhas deslocações de trabalho para organizar pequenas roadtrips e conhecer pequenos segredos da minha lista de “desejos de visita” no interior de Portugal. 

Em vez de desanimar ou pensar em desistir, acolhi o imprevisto como um convite para abrandar, diminuir o número de quilómetros e demorar-me mais nos locais em que tinha planeado apenas passar. Tinha agora disponíveis os melhores ingredientes para me deixar deslumbrar: tempo e imprevisibilidade. 

Cheguei à minha primeira paragem mais cedo que o previsto e, em vez de me acomodar e preparar para um serão de descanso, larguei o carro, a mochila, as solicitações externas, os sapatos e, descalça, comecei a andar pelo caminho que começava mesmo em frente à porta da casinha que me iria acolher nessa noite. 

Pracana Cimeira, no concelho de Mação, em plena Beira Baixa, tem uma população de sete habitantes. A estrada alcatroada termina na última casa da aldeia e tudo o que se ouve são os pássaros, o restolhar dos ramos das árvores quando o vento passa e a água que corre abundantemente quer das duas fontes que existem na aldeia, quer no ribeiro que convida a um mergulho.

Em lugares como este, quando o ruído externo abranda, o volume interno do que habita na mente tende a aumentar. A semana anterior fora muita ansiedade e preocupação. E claro que isso tudo veio ao de cima enquanto caminhava sozinha, rodeada de silêncio. Num primeiro momento, zanguei-me comigo mesma por estar num lugar tão privilegiado e, em vez de usufruir, estava a deixar-me invadir por uma sucessão de histórias e preocupações. Depois, obrigando-me a umas quantas respirações mais profundas, optei por, em vez de seguir a enxurrada de drama que a minha cabeça tende a criar, aproveitar para fazer uma espécie de purga interna e deixar ali, enterrados, todos aqueles hábitos mentais que não me estavam ajudar a seguir em frente. 

À medida que avançava serra adentro, fui fazendo o exercício de, em vez de seguir a minha mente em imaginações de futuros catastróficos, optar por, a cada passo, sentir os pés a tocarem o solo, tomar consciência da entrega do peso do meu corpo à terra e ouvir com atenção o som de cada uma das dezenas de pássaros que passavam por mim. Relembrei-me de uma das muitas lições resultantes da minha prática de meditação: podemos sempre escolher onde pousar a nossa melhor atenção.

Dando-lhe tempo e permitindo-me a mim dar-me espaço, a Natureza tem o poder de me sossegar. O mundo natural e selvagem, onde tudo é presente, tudo é agora e nada mais existe para além do momento atual, relembra-me que o futuro que crio na minha imaginação é apenas isso mesmo: imaginação! Desta forma, tenho a grande vantagem de poder imaginar (e, consequentemente, criar) cenários diferentes e muito mais alinhados com o que sonho para o meu futuro. As boas notícias é que este é um dom comum a todos os seres humanos.

No dia seguinte acordei cedo, como é meu hábito e, inspirando aquele cheiro a terra e a verde, tudo o que não me apetecia era ir embora. Antes de partir, fiz a promessa de regressar ali ainda este verão e segui para uma outra paragem mágica onde, por ter agora ganho tempo para abrandar devido ao cancelamento inesperado, me esperava – ainda sem o saber – uma senhora com uma história de vida maravilhosa que generosamente partilhou comigo.

Mas essa fica para a próxima publicação!

Serra da Lousã: 6 Descobertas numa Caminhada Desafiante

O verão passado propus-me a uma caminhada pela serra da Lousã. Normalmente estou à vontade para me fazer ao caminho sozinha. Tenho alguma experiência em montanhismo e este percurso anunciava-se fácil. Coisa para durar umas duas horas.

No início, o trilho oferecia uma estrada larga, bem definida, com sombras e fresco. Foram dez minutos neste cenário até encontrar o rio. A partir daqui começou a subida. Nada de especial. Depois um pouco mais íngreme. Fazível. Ainda mais íngreme. E uma hora depois já tinha de usar três apoios (dois pés e uma mão) para trepar. Havia pedras altas e rochas imponentes. “Se o percurso está classificado com dificuldade média, esta subida há-de acabar não tarda,” pensei. E acabou. Uma hora e meia depois, para dar lugar a uma descida acentuada e de cascalho que me fazia escorregar a cada passo. Meia hora a deslizar encosta abaixo. Terminou. Outra subida. Desta vez de terra batida mas bastante inclinada. Mais um hora. Já ia com as duas horas que tinha previsto e mais meia quando finalmente cheguei à aldeia de xisto. Linda. Mágica. Em ruínas. 

Parei por momentos para beber água. Continuei enquanto trincava uma tosta. Talvez me tenha distraído com a tosta, com a aldeia ou com os meus pensamentos, quando dei por mim já não havia sinais do trilho. Não foi muito tempo que estive desatenta, mas dado o meu inexistente sentido de orientação foi o suficiente para me perder. 

Tinha três hipóteses: 

  • Aventurar-me por outro caminho ali ao lado, correndo o risco de me perder ainda mais na serra.
  • Seguir pela estrada asfaltada, sabendo que teria 18 quilómetros pela frente até ao local onde tinha deixado o carro.
  • Regressar pelo trilho que tinha feito, conhecendo as dificuldades que já me tinham sido apresentadas no caminho até ali.

Uma viagem que iria terminar em meia hora perspectivava-se agora bem mais longa.

Nos caminhos que já percorri pelas serras do mundo sempre tive dificuldade em lidar com as subidas. Olho para elas e acho que não sou capaz, as minhas pernas vão ceder, vai faltar-me o fôlego. Sofro por antecipação. É uma espécie de vertigem mas ao contrário. 

O que me fez optar por voltar pelo mesmo caminho foi exactamente o facto de ter passado tanto tempo a subir. Agora seria quase sempre a descer, havia de ser rápido. As subidas que passariam a ser descidas não deviam ter sido assim tão complicadas porque afinal eu tinha-as conseguido fazer.

Três dificuldades: Algum cansaço, sol abrasador e falta de água.

Avancei. Ficar ali parada é que certamente não me ia levar de volta ao início. 

Nestes passos de regresso percebi que afinal a subida que eu tinha empreendido era mesmo difícil e demorada. O que tornou a respectiva descida também ela um desafio. Espantei-me de a ter conseguido fazer e quase que me alegrei pela forma que o destino tinha arranjado para me mostrar a real dimensão das minhas capacidades físicas.

Enfrentar a adversidade da montanha é como concretizar um sonho ou perseguir uma paixão. Se não, vejamos:

1. Corra melhor ou pior estamos no percurso que escolhemos

Os nossos sonhos, tal como os caminhos, acontecem porque decidimos dar o primeiro passo. Seja para tomar contacto profundo com a natureza e paisagens que só estão acessíveis através de caminhos de pé posto ou para correr atrás de um propósito, é necessário decidir que queremos fazê-lo. E a seguir, precisamos agir.

2. Mesmo com as adversidades inerentes ao risco, o resultado é compensador

A concretização de um sonho pode falhar. Mas a maior frustração vai para quando nunca se tentou. Tal como uma caminhada. Há locais e paisagens que nunca conheceria se nunca tivesse penetrado no coração de algumas serras por veredas onde só cabem as minhas botas de caminhada, uma de cada vez. As aldeias, os riachos e as árvores que vi, os sons e os cheiros da montanha dificilmente os teria experimentado se tivesse optado por não sair da comodidade do carro na estrada asfaltada.

3. Pequenos objectivos somados geram grandes resultados

Por vezes a distância a percorrer até ao destino a alcançar é longa e esse facto pode ser desmotivador. No meu caminho de regresso, cansada, sem água e com o sol a queimar pensava: é só chegar ao cimo daquela ladeira e descanso, se conseguir passar aquela curva, depois o caminho até à ruína é mais fácil ou no final deste destrepe há o rio, posso refrescar-me. E assim sucessivamente. 

4. Foco no momento presente

No meu percurso de regresso houve uma altura em que dei por mim a escorregar várias vezes e a desequilibrar-me. Abrandei e pensei que arriscar-me a torcer um pé não podia ser uma hipótese. Por isso trouxe mais atenção à minha passada, abrandando o ritmo e assegurando-me que colocava os pés em locais firmes. Abandonei a ansiedade e a urgência de chegar. Por vezes, ao decidirmos concretizar um sonho deixamos a nossa mente pousar num futuro onde o caminho já foi percorrido. O futuro é algo que ainda não existe e se desviarmos a nossa  atenção do que estamos a viver no presente corremos o risco de que nunca chegue a existir.

5. Silenciar as vozes traiçoeiras

É importante reconhecermos quando as nossas vozes internas estão apenas a tentar boicotar-nos. Muitas vezes essas vozes são apenas os nossos medos infundados. A dada altura do meu caminho, no início de uma subida inclinada e sem sombras, surgiram vozes na minha cabeça que repetiam constantemente: “Não tens pernas para isto. Estás exausta. Não tens água. O sol que está vai acelerar a desidratação. Pára!” Estas vozes somos nós mesmos. Como tal temos o poder de as controlar. Temos autoridade sobre elas. Foi assim que decidi por um ponto de ordem e mandá-las calar.

6. Celebrar cada vitória, pequena ou grande

Tomamos consciência do nosso valor real. Arriscar a sair da zona de conforto, concretizar um sonho é um grande feito. A modéstia excessiva, a falta de valorização das nossas verdadeiras capacidades traem-nos tanto quanto a presunção exagerada. Há que gozar o momento em pleno, sermos honestos conosco mesmos. Nesta minha experiência tive a oportunidade de perceber que as minhas capacidades físicas e de determinação eram muito mais fortes do que eu julgava. Mais, ao fazer o caminho de regresso, o destino demonstrou-me que tenho muito mais potencial para fazer subidas íngremes do que alguma vez eu tinha julgado. Olhando para trás agora parece-me que nem foi assim um esforço tão grande como na altura eu quase me convenci que era.  

Viajar e por este mundo de forma consciente e sustentável e partilhar esta experiência seja através da escrita seja com quem desejar viajar comigo, é o que faço e o que me faz feliz. O caminho que tenho trilhado para chegar onde estou é muito semelhante à minha experiência na serra da Lousã no verão passado. Os métodos aprendidos pela experiência em caminhadas, em mindfulness e na escrita têm sido boas ferramentas nesta epopeia. Afinal na vida tudo se toca. 

Lanzarote: Uma Jornada Interior na Terra do Vulcão

Há cerca de uma década, aterrei em Lanzarote, a ilha vulcânica que foi a casa de José Saramago. Este pedaço de paraíso atlântico, com sua origem forjada em erupções vulcânicas, exibe um solo de lava que oferece à paisagem uma beleza árida. Naquela altura, assim como a terra que escolhi visitar, a minha mente passava por um período de aridez. 

Descobrir a beleza na aridez

Nos primeiros dias, a ausência de vegetação transmitiu-me a sensação de monotonia. Mas à medida que a ilha se revelava, eu ia-me também descobrindo. Percebi que, embora a vegetação pudesse ser escassa, a vida brotava em lugares inesperados. Tal como a nossa própria jornada interior.

A minha mente, tal como a paisagem, estava num estado de aridez emocional. Lidava com a perda e a exaustão do frenético mundo televisivo onde trabalhava. A prática meditativa ainda não fazia parte da minha realidade. Ainda assim, o abrandar e o simplificar eram verbos que já estavam em mim. Investi tempo a olhar para o horizonte, a contemplar o vazio aparente que se manifestava à minha frente.

A metáfora constante da transformação

Hoje, Lanzarote é mais do que uma recordação; é uma metáfora constante da nossa capacidade de transformação. Comparo-a ao terreno da mente, onde os pensamentos brotam como as flores no deserto. A meditação, agora parte integrante da minha vida, tornou-se a água que nutre a minha paisagem interior, e me ajuda a revelar o meu potencial latente.

Assim como os agricultores que desafiaram a aridez de Lanzarote, podemos cultivar recantos férteis na nossa própria mente. Em vez de evitar as áreas aparentemente menos interessantes, a meditação nos convida a explorá-las, olhando-as como oportunidades de transformação e crescimento.

A prática diária torna-se uma jornada de descoberta, onde as dificuldades são transformadas em oportunidades de visualizar a realidade sob uma nova luz.

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