Já te perdeste num email longo e confuso, sem perceber exatamente o que te queriam dizer? Ou sentiste que precisavas de reler um texto três vezes para encontrar a mensagem principal? Não estás sozinho. Esta semana recebi um email que deveria transmitir-me uma mensagem importante mas, por causa da linguagem tão confusa e cheia de “palha” ainda hoje não tenho a certeza do que me queriam comunicar. Tal como as nossas casas acumulam tralha, a nossa escrita também sofre de excesso. Mas como tornar os textos mais claros e objetivos? A boa notícia: é mais simples do que parece!
Recentemente concorri a um apoio financeiro para um projeto na área do empreendedorismo social. Recebi um email a informar-me que tinha passado à fase seguinte: claro, direto e com não mais do que três frases.
Na segunda fase, chegou outro email, desta vez com cinco parágrafos cheios de linguagem rebuscada e adjetivos genéricos. Depois de o reler três vezes, ainda hoje não sei se passei ou não. O texto nunca dizia, de forma simples, se fui selecionada ou eliminada. Resultado? Frustração.
Em nenhum momento o texto dizia simples e diretamente se eu tinha sido selecionada ou eliminada. Ou seja, aquele texto — que no assunto do email mencionava “apuramento para a fase seguinte” — referia tudo menos isso. Assumi que não tinha sido selecionada. Coisa que não me apanhou de surpresa, já que sabia que não tinha colocado grande empenho na minha apresentação. O mesmo não posso dizer do email que recebi. A forma como o texto foi redigido ainda hoje me tira a paz de espírito. Sim, ossos do ofício de quem escreve profissionalmente!
As nossas vidas estão cheias de tralha. Enchemos armários de roupa que não vestimos, despensas de alimentos que não comemos, garagens e arrecadações de coisas que nem sabemos que temos. Ocasionalmente, somos confrontados com a quantidade de inutilidades que possuímos (como quando mudamos de casa, por exemplo), mas, na maioria das vezes, contornamos a questão e deixamos tudo na mesma. Vivemos “atafulhados”.
A nossa escrita atual é assim também. Enchemo-la de tralha, de palavras dispensáveis, de adjetivos, advérbios e outras bengalas de linguagem. A maioria das vezes, tal como o excesso de objetos que possuímos, essas palavras são apenas o reflexo de uma insegurança, do receio de parecermos escassos ou pouco eruditos, do medo de “sermos levados a mal”.
Escrever melhor não é complicado. É como arrumar uma gaveta: é importante começar por tirar tudo, eliminar o que não serve e só depois voltar a organizar o que realmente importa.
Por exemplo:
Antes: “Gostaria imenso de vos agradecer pela vossa presença, que foi extremamente importante para mim durante este período que enfrentei.”
Depois: “Obrigada por estarem aqui. A vossa presença foi essencial.”
Se há coisa que tenho aprendido como leitora experiente e redatora profissional é que o segredo de um bom texto (seja ele um sms, um email, um artigo, um post nas redes sociais ou uma biografia) é esvaziá-lo do que está a mais. Cada palavra comprida que poderia ser curta, cada advérbio que está já subentendido no verbo ou cada adjetivo repetido em sucessivos sinónimos, ao contrário do que acreditamos, está a enfraquecer a mensagem e a baralhar o leitor, que se vê obrigado a parar e voltar atrás para reler uma mensagem inentendível.
Já sabemos que é positivo e saudável livrarmo-nos daquilo que temos a mais na vida: seja peso, seja tralha, seja insatisfação, seja stress e ansiedade. A minha sugestão é que transportemos isso para a forma como escrevemos, como utilizamos a palavra escrita para comunicarmos. Seja em que formato for.
Poupemos o nosso pobre leitor — cuja janela de atenção é cada vez mais curta num mundo com tantos estímulos a acontecer ao mesmo tempo — e entreguemos-lhe de forma simples e clara aquilo que queremos comunicar. Descompliquemos as nossas mentes e aproveitemos a forma como escrevemos para nos ajudar a fazê-lo. Neste caso, também para o nosso bem, e não só do leitor.
É verdade que a boa escrita não é algo que surja naturalmente, embora possa parecer que sim para quem está de fora. Escrever dá muito trabalho, requer muita prática e uma frase simples e direta não surge por acidente. É, na maioria das vezes, o resultado de duas, três, quatro ou cinco revisões.
Por isso, se posso deixar um conselho a quem se quer aventurar no caminho de melhoria da sua escrita, cito as palavras de Thoreau: “Simplifica, simplifica.” Relê o que escreveste e pergunta-te:
- Está claro o que quero comunicar?
- Disse exatamente o que queria dizer?
- Quem lê vai identificar imediatamente o propósito da mensagem?
Um bom escritor é aquele que sabe distinguir o que é tralha desnecessária. Não impressiona o leitor; antes, baralha. E o email que recebi é um bom exemplo disso: a mensagem não passou de forma clara e senti-me frustrada por ter de o reler tantas vezes. E deixou-me pouco motivada a continuar a colaborar com a instituição em causa, mesmo se tivesse sido selecionada (o que, até hoje, não sei).
Simplificar é uma escolha, tanto na vida como na escrita. Dá trabalho, mas vale a pena. Quem escreve com clareza pensa com clareza. E quem lê, agradece.