Fui a Paris e não vi a Torre Eiffel

Também não visitei a pirâmide do Louvre, o Arco do Triunfo ou o Sacrée Coeur. E a Notre Damme, que ainda está a terminar as suas obras de restauro, vi-a apenas ao longe. Numa altura em que se discute o impacto do turismo na vida das grandes cidades – um problema que também incomoda a minha cidade natal, Lisboa – a decisão de fazer mais uma viagem faz-me, cada vez mais, refletir antes de o decidir fazer.

Poderia defender que não sou uma turista, mas sim uma viajante, como agora se diz. Porém, para ser honesta, isso soa-me mais a pretenção do que a um verdadeiro conceito de explorador. O facto é que, se eu estou numa cidade por um tempo limitado, sem outro propósito senão alguns pontos de interesse, faço parte do turismo de massas, contribuo para o problema.

Independentemente de me chamar turista ou viajante. Quero deixar claro que o problema não é viajar. Viajar é uma experiência maravilhosa que recomendo a todos. A democratização desta indústria trouxe muitos benefícios em diferentes áreas. O problema reside na forma como viajamos, nas motivações que nos levam a escolher um destino e na maneira como consumimos – seja nas refeições, nas atividades lúdicas ou na compra de souvenirs. Está também nas escolhas que fazemos quanto aos alojamentos e na forma como interagimos com os locais, sejam na abordagem às pessoas que ali habitam o ano inteiro, seja nas filas para visitar atrações icónicas, ou até em algo tão simples como tirar uma fotografia (sobre selfies, já escrevi um artigo, por coincidência também em Paris).

Paris é uma cidade que tem sabido preservar-se, graças a uma gestão cuidadosa e uma cooperação eficaz entre autoridades locais e o governo central. Ainda assim, sabendo que é uma das cidades europeias mais visitadas, questionei-me sobre tudo isto antes de embarcar. Como tantas outras pessoas, não quero deixar de viajar. Mas quero reduzir o impacto negativo das minhas viagens e, se possível, deixar algo de positivo. O que fazer então?

No meu caso, optei por ficar num pequeno hotel de gestão familiar, em vez de um alojamento local gerido por uma empresa anónima ou uma grande cadeia de hotéis. Descobri o Hotel Cluny Sorbonne por acaso e soube que está na mesma família há seis gerações, tendo já alojado grandes pensadores europeus que passaram pela Sorbonne. É um lugar modesto, discreto e familiar que luta para resistir à presão da indústria do turismo. A família divide-se entre continuar na sua desafiante gestão privada ou vender e ir gozar os lucros algures numa ilha tropical.

Ficar na Rive Gauche, num bairro com poucas atrações turísticas, permitiu-me fazer as minhas refeições em pequenos bistrôs, também eles familiares e locais, com preços acessíveis e comida caseira de excelente qualidade. Afinal, se conheço uma ou duas tascas em Lisboa onde ainda se come bem e barato, porque raio não haveria de haver o mesmo em Paris? Com algumas perguntas e consultas em fóruns online, obtive indicações preciosas.

Finalmente, o motivo. Por que razão quereria eu ir a Paris, uma cidade que já conheço, contribuindo para esta sobre ocupação do espaço aéreo, aumentando a minha pegada ecológica e sendo mais uma a atrapalhar a rotina de quem vive e trabalha na cidade? Reafirmo que não me tornei contra as viagens e este não é um texto hipócrita. Quero continuar a viajar porque gosto de o fazer sem sentir a necessidade de me posicionar como viajante ou turista para justificar as minhas escolhas. Desta vez, fui a Paris com um motivo muito particular que – para mim – validou a decisão. Fui ao Musée D’Orsay, um dos museus mais bonitos do mundo, para visitar uma exposição temporária sobre um artista impressionista cuja vida e obra admiro, precisamente pela sua modéstia e generosidade: Gustave Caillebotte. Se ainda não o conhecem, espreitem a sua obra. Ou voltem aqui dentro de algumas semanas, sou capaz de escrever um artigo sobre a sua vida.

Até lá, boas viagens! E, andem por onde andarem, sejam turistas, viajantes, perdidos ou errantes, honrem sempre os locais e as comunidades por onde passarem. Eles têm mais potencial para encher o nosso coração do que uma selfie com o fundo mais impressionante.

Simples não é simplório

Como viver com vagar contribui para a qualidade dos meus dias

Desde que acordamos até que voltamos a adormecer, somos bombardeados por uma quantidade avassaladora de estímulos. Existe demasiada informação diversa a competir pela nossa atenção. Entre o momento em que adormecemos até despertarmos no dia seguinte, vivemos cada vez mais com a sensação de estar numa corrida constante de hiperestimulação. 

Foi assim que me senti nos últimos tempos, desfocada e exausta sem conseguir definir concretamente porquê. Racionalmente, não via razões para que este mal estar fizesse sentido. Afinal, há mais de quinze anos, depois de um burnout que me levou repensar o meu modo de vida, a descobrir a meditação e a praticar Chi Kung, fui ganhando ferramentas que me permitiram adotar uma rotina de vida simples e com vagar, equilibrada entre momentos de trabalho e de abrandamento. 

Mas ultimamente estas minhas práticas mais têm parecido uma espécie de panaceia para tudo o resto do que a sensação de equilíbrio, bem estar e propósito que antes me davam. Sim, nunca neste período abandonei a prática fundamental de meditação mas o resto do meu dia foi sendo preenchido com ruído, informação, inquietação e movimento constantes. 

Continuo a achar que o estímulo é positivo. Contudo, numa época em que somos bombardeados com tanta informação vinda de todas as direções, torna-se vital perceber como podemos encontrar um equilíbrio. Foi por isso que, este verão, após atingir um pico de cansaço físico e mental, reservei uns dias para descansar e redefinir as minhas prioridades. 

Encontrei o lugar ideal para esta pausa na costa alentejana, numa casinha de madeira rodeada de árvores e silêncio, com fraca ligação à internet mas forte aos sons da natureza. Saboreei esse tempo com vagar, aproveitei para respirar fundo e preparar o novo período de trabalho. Chegado setembro, o mês de novos começos, estou mais alinhada e pronta para retomar o caminho que me faz sentido.

Regresso à rotina dos dias com três decisões, alinhadas com o desejo de quebrar o ciclo de estimulação constante que me desfoca e me rouba a criatividade:

Fazer um detox digital sem radicalismos

Lembro-me quando escolhi abraçar um estilo de vida mais simples, fiz um “Low Buy Challenge”. Esta é uma expressão inglesa ligada a um movimento que promove o decrescimento do consumo e pode ser traduzida como Desafio Redução de Compras. A proposta é assumir o compromisso de reduzir a compra de bens que não sejam de primeira necessidade. Por exemplo, uma das regras que defini para mim para este ano foi comprar não mais do que três peças de roupa por estação. Outra foi comer fora apenas 2 vezes por mês. Outra ainda foi abdicar da manicure. Cada pessoa pode definir quais bens não essenciais que está disposto a reduzir e estabelecer os limites que considera razoáveis para si. Este modelo ajudou-me tanto a refletir como a mudar os meus hábitos de consumo que o repliquei na minha relação com a tecnologia e com o tempo online. Ou seja, para um detox digital sem radicalismos, defino à priori um período de tempo em que uso a tecnologia de forma mais controlada. Essas janelas de tempo trazem-me clareza sobre como me sinto quando não cedo ao impulso das redes sociais, dos emails, das notícias e notificações. Cada um fará as regras que melhor se adaptem à sua realidade e à situação com a qual se sente confortável sendo que, no final, o objetivo será sempre reduzir o tempo online. Pode ser uma manhã sem tecnologia, silenciar as notificações das aplicações no telemóvel ou reservar um dia um dia inteiro sem conexão ao digital. Não há certo ou errado, há a medida certa para cada um. No meu caso, percebi que tanto o meu computador como o telemóvel são fontes de muitos estímulos e grandes manipuladores da minha atenção. Desde que adotei a pequena regra “desconectada a partir das oito da noite”, recuperei hábitos mais regulares de leitura e a prática de pequenos hobbies – como o crochet e o origami – que aos poucos, sem me aperceber, tinham perdido espaço para a tecnologia.  

Dar atenção ao que estou a fazer, uma tarefa de cada vez

Sempre que estou envolvida em atividades como limpar a casa, cozinhar, conduzir, fazer exercício físico ou comer, procuro um estímulo para me entreter mentalmente. Podem ser coisas como um filme ou uma série, um podcast, um audiolivro ou um concerto. Imagino que não seja a única a fazer isto e, aparentemente, até é algo inofensivo. Mas comecei a reparar que sempre que me preparava para cozinhar, caminhar ou lavar os dentes, a primeira coisa que fazia era pegar no telemóvel e escolher o que é que ia ouvir para me acompanhar na tarefa. Há pouco tempo quando me preparava para uma viagem de carro entre Lisboa e Montemor-o-Novo percebi que isto pode não ser assim tão linear. Tinha sido um dia intenso de trabalho, reuniões e estímulos vários na capital e estava ansiosa por regressar ao sossego do Alentejo onde vivo. Contudo, dei por mim sentada no carro parada durante mais de 10 minutos, a percorrer a lista de podcasts, incapaz de decidir qual ouvir durante a viagem. Em 10 minutos poderia já ter atravessado a ponte e estar um bocadinho mais perto do meu objetivo: chegar a casa e relaxar. Perguntei-me porque razão precisava eu de estar constantemente cercada de sons. Sim, aparentemente é apenas uma forma de me manter entretida mas, naquele momento, senti que estava a ser mais prejudicial do que benéfico. Num dia tão cheio como aquele pareceu-me que todo o conteúdo que fui absorvendo nos diferentes momentos se estava a transformar numa nuvem indistinta de vozes e sons na minha cabeça. Optei por conduzir em silêncio e deixar a mente vaguear por onde lhe apetecesse. Foi nessa viagem que a ideia para este artigo surgiu! Escrevi-o todo na minha cabeça, com vagar, durante esses sessenta minutos de condução.

Deitar fora, arrumar e simplificar a casa

Podemos ter mais ou menos consciência disso mas estamos constantemente a absorver uma quantidade tão grande de informação ao longo dos nossos dias que muitas vezes nos sentimos assoberbados e nem percebermos porquê. É por isso que aquilo que encontramos em casa casa é tão importante. Sobretudo para quem, como eu, tem uma personalidade introvertida e extremamente sensível a estímulos. Tendo a sentir tudo à minha volta de forma mais intensa e profunda do que a maioria. Por isso, tenho mesmo de ser intencional e seletiva relativamente àquilo a que me quero expor para não me sentir esgotada. Sim eu sei que muitas vezes é algo que não podemos propriamente escolher, seja por questões profissionais, sejam obrigações que tenhamos de cumprir. Mas podemos criar um ambiente calmo e propício ao relaxamento nas nossas casas. Neste momento vivo numa casa que é uma espécie de “casa entre casas”, enquanto construo o caminho para me mudar para uma casa ainda mais imersa na natureza. Esta situação de viver provisoriamente tem-me ajudado a refletir e a praticar o processo de descomplicar e destralhar e, consequentemente, a constatar como é importante que o que me cerca me transmita paz de espírito, conforto e segurança. 

Promover o bem estar pessoal é uma responsabilidade individual que nem é tão simples como ler um artigo online ou ver um video no youtube ou tomar os suplementos da moda. Nem tão complicada como muitas vezes nos parecem os programas de desenvolvimento pessoal dos novos influencers, os retiros de detox instagramáveis ou as dietas restritivas com alegados super-alimentos.

O meu processo é garantir o equilíbrio através de um estilo de vida simples, vivida com vagar. Quando tenho muitas solicitações profissionais, preciso de momentos de solidão, silêncio e contemplação. Em épocas de maior azáfama, organizo os dias sem esquecer momentos de pausa. Se passei um dia inteiro a olhar para o computador, não o termino sem uma caminhada entre as árvores. Se estou em períodos de muita interação social, sei que vou ter de reservar um dia no calendário para ser ermita.   

Claro que preciso de estímulos na minha vida, como toda a gente. Todos precisamos de estar em contacto com outras ideias, pessoas diferentes, locais diferentes, novas perspectivas. Mas é igualmente importante perceber quando é demais e saber o que fazer para recuperar. Porque a vida é para estarmos bem, o maior número de horas possível. De preferência, com vagar.

Minimalismo em Movimento: Como o Caminho de Santiago Mudou Minha Perspectiva

“Mais vale renunciar do que tentar manter cheio um vaso que vai transbordar.”

Lao Tzu, in Tao Te King

Já vos aconteceu planear uma viagem com o intuito secreto de que ela mude a vossa vida?

Esta é uma sensação pela qual já passei algumas vezes. Mas não foi a que me motivou quando comecei a planear a minha primeira aventura pelo Caminho de Santiago, que hoje, prestes a embarcar na segunda, revisito. 

Nessa altura eu achava que já tinha transformado a minha vida vezes de mais. A minha motivação para fazer o caminho era apenas um contacto próximo com a natureza, uma apreciação do silêncio e a descoberta dos meus limites físicos. Com uma lesão na cervical, na altura bastante incomodativa, eu sabia que teria de balancear muito bem o peso, o tempo de caminhada e a qualidade do descanso. Tudo isto com as despesas muito bem controladas.

Comecei a estudar a mochila e o que colocar lá dentro uma semana antes. O que é que me ia fazer realmente falta? Um livro! Era uma viagem de quase 10 horas de autocarro, haveriam tempos mortos a partir do meio da tarde e tinha planeado uns dias de descanso no final. E eu nunca viajo sem livros! Desta vez estava disposta a levar apenas um. Um caderno e uma caneta, exactamente pelas mesmas razões que o objecto anterior. A máquina fotográfica, evidentemente. Água e alguns alimentos de recurso. Produtos de higiene pessoal incluindo champô, gel de banho, creme hidratante, escova e pasta de dentes, protector solar, creme das mãos e escova de cabelo.

Mesmo ainda sem ter separado a roupa, já a mochila transbordava e pesava consideravelmente, na sua modesta capacidade de 20 litros. Percebi que, embora ainda faltasse uma semana, a minha caminhada já tinha começado. Talvez fosse melhor tornar-me um pouco mais curiosa e humilde sobre o que é que o Caminho poderia ter para me ensinar. 

Era evidente que precisava repensar as minhas escolhas: o livro pesava e ocupava espaço. Fora! O caderno, troquei-o por um pequeno bloco de notas que cabia no bolso das calças. A máquina fotográfica implicava levar o carregador de baterias. Era um disparate, tinha a câmara do telemóvel. O cantil de água ficou assim como alguns saquinhos de frutos secos para uma emergência.

Quando cheguei à bolsa de produtos de higiene senti-me ridícula. Champô e gel de banho? Cremes da cara e das mãos? A bolsa regressou para dentro da mochila apenas com uma pequena barra de champô sólido, protector solar, um pente, a escova e a pasta de dentes. 

Felizmente para a roupa, tinha entretanto desenvolvido outra qualidade na minha selecção e acabou por ser mais rápido: 2 t-shirts, 2 pares de cuecas, 2 pares de peúgas, 1 par de calções, um vestido leve (nunca se sabe!), um fato de banho, uma pequena toalha e um par de chinelos para arejar os pés no final do dia. Mais a roupa que levava vestida: calças, t-shirt, camisola quente e casaco impermeável. 

De entre as tantas lições inesperadas que me aguardavam neste Caminho, aliviar o peso da bagagem foi a primeira que revolucionou a forma como viajo até hoje. Agora, a dar os primeiros passos na preparação de nova caminhada até Santiago, recupero esta sabedoria que trouxe comigo da primeira. Sobretudo porque, passados estes anos, para além de uma cervical sensível, ganhei também uma cabeça de fémur de titânio e uns intestinos reativos ao glúten.

Se, como eu, queres evitar peso desnecessário na tua bagagem e desfrutar ao máximo da experiência da viagem, deixo aqui quatro reflexões que sigo sempre que faço as minhas malas:

1. Planear com antecedência: Fazer uma mala à última da hora não é boa ideia. Perdemos o discernimento e acabamos por colocar coisas a mais, embaladas pela ansiedade da pressa. Lembro-me de uma vez, ainda a trabalhar na televisão, ter sido informada que tinha de estar em Los Angeles para uma reunião dali a dois dias. Aliada à excitação de ir conhecer esta grande cidade, veio o stress de não saber o que esperar em termos de meteorologia e não ter muito tempo para refletir em conjugações versáteis. Chegada ao momento do check in no aeroporto com uma mala a rebentar pelas costuras de roupa da qual metade não usei, dei conta que me tinha esquecido do essencial: – o passaporte! Atualmente começo por fazer uma lista dos itens a levar. De seguida divido-os em indispensáveis, essenciais e prescindíveis e vou selecionando à medida que vou avaliando o peso que estou disposta a carregar comigo. Em matéria de vestuário, escolho peças versáteis que possa combinar entre si, diminuindo o número de peças.

2. Escolher o equipamento certo: Planeei visitar o meu irmão em Norfolk na altura em que ele lá esteve em Erasmus. Era inverno e sabia que ia encontrar neve e muito frio. Olhei para a maior mala que tinha no armário e atirei lá para dentro todas as camisolas quentes, meias de lã, casacos, cachecóis e gorros que encontrei. Assim que comecei a descer as escadas do prédio, na saída para o aeroporto, percebi que tinha feito asneira. Apesar de ser de qualidade, a mala era enorme e eu abusei de todo o espaço que ela me disponibilizou. As rodas mal deslizavam e eu tinha de a puxar com as duas mãos para conseguir transportá-la. Já no Reino Unido – que não é famoso pela fácil acessibilidade na sua rede de transportes públicos – subir e descer escadas de metro e comboio foi uma aventura muito suada. A certo momento, um senhor inglês prestável, ao ver-me desesperada a tentar subir um infindável lance de escadas com a mala atrás, ofereceu-se para me ajudar. Arrependeu-se assim que pegou naquele monstro gigante e lhe tomou o peso. Mas não deu parte de fraco. Chegou ao cimo da escada branco e a escorrer suor. Aposto que nunca mais se ofereceu para ajudar “donzelas em apuros”. Hoje prefiro mochilas com boas proteções para as costas, troleis pequenos e resistentes com um sistema de rodas deslizantes eficaz. Sei que, limitando o tamanho da minha bagagem, terei necessariamente de limitar também as escolhas do que coloco lá dentro.

3. Utilizar organizadores de bagagem: Aprendi a usá-los numa roadtrip pelo sul da Europa em que, a cada dia, ficava num local diferente. Sempre em movimento, fazer e desfazer a mala era uma tarefa diária. Ao terceiro dia tinha exatamente o mesmo número de peças mas, com o caos instalado, já não as conseguia enfiar todas dentro da mala. Foi quando a minha companhia de viagem me apresentou os organizadores. Se ao início podem parecer uma redundância, depois desta experiência garanto que não são. Os organizadores de bagagem ajudam a maximizar o espaço e a manter as coisas arrumadas durante a viagem. O que faço é separar os objetos por categorias e utilizar sacos individuais para cada uma delas.

4. Desfrutar do simples: Quando se fazem 100 kms a pé, tendo de transportar às costas tudo o que é preciso para sobreviver durante esse tempo, o peso e valor de cada objecto que decidimos transportar na mochila ganha nova perspectiva. A experiência de carregar apenas o essencial fez-me reconsiderar o que realmente importa. A simplificação tornou-se uma escolha, não apenas para viagens, mas para o meu dia a dia. Desde então, tento adotar uma abordagem mais consciente em relação a tudo o que possuo, optando por qualidade sobre quantidade e valorizando cada objeto pelo seu propósito e significado. Essa mudança de mentalidade não só aliviou o peso físico das minhas viagens, como também trouxe um novo significado ao meu conceito de liberdade. Caminhar – e viver o dia a dia – sem peso desnecessário às costas, permite-me estar totalmente presente no momento. Afinal a riqueza da vida não está na quantidade de bagagem que levo ou naquilo que possuo mas sim nas experiências que vou guardando na mochila ao longo do percurso da vida.

Serra da Lousã: 6 Descobertas numa Caminhada Desafiante

O verão passado propus-me a uma caminhada pela serra da Lousã. Normalmente estou à vontade para me fazer ao caminho sozinha. Tenho alguma experiência em montanhismo e este percurso anunciava-se fácil. Coisa para durar umas duas horas.

No início, o trilho oferecia uma estrada larga, bem definida, com sombras e fresco. Foram dez minutos neste cenário até encontrar o rio. A partir daqui começou a subida. Nada de especial. Depois um pouco mais íngreme. Fazível. Ainda mais íngreme. E uma hora depois já tinha de usar três apoios (dois pés e uma mão) para trepar. Havia pedras altas e rochas imponentes. “Se o percurso está classificado com dificuldade média, esta subida há-de acabar não tarda,” pensei. E acabou. Uma hora e meia depois, para dar lugar a uma descida acentuada e de cascalho que me fazia escorregar a cada passo. Meia hora a deslizar encosta abaixo. Terminou. Outra subida. Desta vez de terra batida mas bastante inclinada. Mais um hora. Já ia com as duas horas que tinha previsto e mais meia quando finalmente cheguei à aldeia de xisto. Linda. Mágica. Em ruínas. 

Parei por momentos para beber água. Continuei enquanto trincava uma tosta. Talvez me tenha distraído com a tosta, com a aldeia ou com os meus pensamentos, quando dei por mim já não havia sinais do trilho. Não foi muito tempo que estive desatenta, mas dado o meu inexistente sentido de orientação foi o suficiente para me perder. 

Tinha três hipóteses: 

  • Aventurar-me por outro caminho ali ao lado, correndo o risco de me perder ainda mais na serra.
  • Seguir pela estrada asfaltada, sabendo que teria 18 quilómetros pela frente até ao local onde tinha deixado o carro.
  • Regressar pelo trilho que tinha feito, conhecendo as dificuldades que já me tinham sido apresentadas no caminho até ali.

Uma viagem que iria terminar em meia hora perspectivava-se agora bem mais longa.

Nos caminhos que já percorri pelas serras do mundo sempre tive dificuldade em lidar com as subidas. Olho para elas e acho que não sou capaz, as minhas pernas vão ceder, vai faltar-me o fôlego. Sofro por antecipação. É uma espécie de vertigem mas ao contrário. 

O que me fez optar por voltar pelo mesmo caminho foi exactamente o facto de ter passado tanto tempo a subir. Agora seria quase sempre a descer, havia de ser rápido. As subidas que passariam a ser descidas não deviam ter sido assim tão complicadas porque afinal eu tinha-as conseguido fazer.

Três dificuldades: Algum cansaço, sol abrasador e falta de água.

Avancei. Ficar ali parada é que certamente não me ia levar de volta ao início. 

Nestes passos de regresso percebi que afinal a subida que eu tinha empreendido era mesmo difícil e demorada. O que tornou a respectiva descida também ela um desafio. Espantei-me de a ter conseguido fazer e quase que me alegrei pela forma que o destino tinha arranjado para me mostrar a real dimensão das minhas capacidades físicas.

Enfrentar a adversidade da montanha é como concretizar um sonho ou perseguir uma paixão. Se não, vejamos:

1. Corra melhor ou pior estamos no percurso que escolhemos

Os nossos sonhos, tal como os caminhos, acontecem porque decidimos dar o primeiro passo. Seja para tomar contacto profundo com a natureza e paisagens que só estão acessíveis através de caminhos de pé posto ou para correr atrás de um propósito, é necessário decidir que queremos fazê-lo. E a seguir, precisamos agir.

2. Mesmo com as adversidades inerentes ao risco, o resultado é compensador

A concretização de um sonho pode falhar. Mas a maior frustração vai para quando nunca se tentou. Tal como uma caminhada. Há locais e paisagens que nunca conheceria se nunca tivesse penetrado no coração de algumas serras por veredas onde só cabem as minhas botas de caminhada, uma de cada vez. As aldeias, os riachos e as árvores que vi, os sons e os cheiros da montanha dificilmente os teria experimentado se tivesse optado por não sair da comodidade do carro na estrada asfaltada.

3. Pequenos objectivos somados geram grandes resultados

Por vezes a distância a percorrer até ao destino a alcançar é longa e esse facto pode ser desmotivador. No meu caminho de regresso, cansada, sem água e com o sol a queimar pensava: é só chegar ao cimo daquela ladeira e descanso, se conseguir passar aquela curva, depois o caminho até à ruína é mais fácil ou no final deste destrepe há o rio, posso refrescar-me. E assim sucessivamente. 

4. Foco no momento presente

No meu percurso de regresso houve uma altura em que dei por mim a escorregar várias vezes e a desequilibrar-me. Abrandei e pensei que arriscar-me a torcer um pé não podia ser uma hipótese. Por isso trouxe mais atenção à minha passada, abrandando o ritmo e assegurando-me que colocava os pés em locais firmes. Abandonei a ansiedade e a urgência de chegar. Por vezes, ao decidirmos concretizar um sonho deixamos a nossa mente pousar num futuro onde o caminho já foi percorrido. O futuro é algo que ainda não existe e se desviarmos a nossa  atenção do que estamos a viver no presente corremos o risco de que nunca chegue a existir.

5. Silenciar as vozes traiçoeiras

É importante reconhecermos quando as nossas vozes internas estão apenas a tentar boicotar-nos. Muitas vezes essas vozes são apenas os nossos medos infundados. A dada altura do meu caminho, no início de uma subida inclinada e sem sombras, surgiram vozes na minha cabeça que repetiam constantemente: “Não tens pernas para isto. Estás exausta. Não tens água. O sol que está vai acelerar a desidratação. Pára!” Estas vozes somos nós mesmos. Como tal temos o poder de as controlar. Temos autoridade sobre elas. Foi assim que decidi por um ponto de ordem e mandá-las calar.

6. Celebrar cada vitória, pequena ou grande

Tomamos consciência do nosso valor real. Arriscar a sair da zona de conforto, concretizar um sonho é um grande feito. A modéstia excessiva, a falta de valorização das nossas verdadeiras capacidades traem-nos tanto quanto a presunção exagerada. Há que gozar o momento em pleno, sermos honestos conosco mesmos. Nesta minha experiência tive a oportunidade de perceber que as minhas capacidades físicas e de determinação eram muito mais fortes do que eu julgava. Mais, ao fazer o caminho de regresso, o destino demonstrou-me que tenho muito mais potencial para fazer subidas íngremes do que alguma vez eu tinha julgado. Olhando para trás agora parece-me que nem foi assim um esforço tão grande como na altura eu quase me convenci que era.  

Viajar e por este mundo de forma consciente e sustentável e partilhar esta experiência seja através da escrita seja com quem desejar viajar comigo, é o que faço e o que me faz feliz. O caminho que tenho trilhado para chegar onde estou é muito semelhante à minha experiência na serra da Lousã no verão passado. Os métodos aprendidos pela experiência em caminhadas, em mindfulness e na escrita têm sido boas ferramentas nesta epopeia. Afinal na vida tudo se toca. 

O que têm as Selfies a ver com turismo sustentável

Num mundo inundado pela moda das selfies, há uma narrativa oculta que permeia o encanto superficial das imagens perfeitas para as redes sociais. Essa busca incessante pela fotografia ideal pode obscurecer a verdadeira essência de uma experiência de viagem.

O que observei recentemente no Museu d’Orsay, para além das obras exibidas, foi um catalisador para esta reflexão. Enquanto parava diante de quadros de impressionistas que admiro e sentia o privilégio poder estar ali de pé diante deles, outros turistas corriam de sala em sala, na ânsia de registar cada quadro com os seus smartphones. A minha quietude e atitude mais contemplativa fez com que levasse alguns encontrões e atropelos destes visitantes mais apressados. Fiquei com a sensação que, na pressa de percorrer todas as salas e registar o máximo de imagens, se perdia a oportunidade de apreciar realmente a arte à frente dos nossos olhos.

A situação fez-me lembrar a história de Karthika Gupta, uma fotógrafa e escritora, que há uns anos viu o seu filho ser atirado ao chão por um conjunto de turistas no parque de Yellowstone, nos EUA, todos ansiosos por conseguir registar a selfie perfeita com bisontes ao fundo.

O Fenómeno da Selfie

A cultura da selfie não é só uma tendência; é um fenómeno que pode transformar locais incríveis em cenários de corrida frenética. O medo de perder algo (conhecido internacionalmente como FOMO – Fear Of Missing Out) e a pressa constante para documentar cada segundo para as redes sociais têm uma relação direta com as consequências atuais da superlotação turística.

A busca pela imagem perfeita pode comprometer a essência de uma experiência de viagem. Para mim, é difícil pensar visitar um destino sem tempo para o respirar, para o sentir, para me conectar com o seu solo, os seus sons, os seus silêncios, as suas cores e estabelecer ligação com aqueles que melhor conhecem os locais por onde passo: os seus habitantes.

Como resposta a este fenómeno de turismo massificado, alguns destinos estão a implementar medidas restritivas numa tentativa de controlar a superlotação e preservar a autenticidade do local. É o caso da Nova Zelândia – que adotou medidas para desencorajar fotos em pontos turísticos – e da cidade de Hallstatt, na Áustria, que ergueu uma parede para bloquear a visão dos Alpes em protesto contra a poluição sonora e o excesso de selfies. Também em Vermont, nos EUA foi desencorajada a visita de influencers durante a popular temporada de folhas secas no outono. Todas estas medidas podem ser um bom ponto de partida para uma reflexão sobre a necessidade de equilibrar a promoção do turismo com a preservação da autenticidade e da tranquilidade de cada destino.

A minha experiência no Museu d’Orsay relembrou-me da importância de apreciar cada momento, especialmente diante de obras de arte que perduram através dos séculos e contam a história da Humanidade e da sua capacidade de produzir beleza. É uma pena se permitirmos que a corrida às selfies nos impeça de sentir a magia de uma pintura, de nos perdermos nas pinceladas que contam histórias ou da maravilha que é nos conectarmos genuinamente com o nosso semelhante.

Como defensora do turismo sustentável, vejo isso como uma oportunidade de uma abordagem mais consciente no mundo das viagens. Que bom que é desacelerar, apreciar cada momento e respeitar os destinos que visitamos. Esclarecer os viajantes sobre a importância de vivenciar, em vez de apenas capturar é fundamental para a preservação da autenticidade das experiências de viagem.

A nossa ânsia de imagens perfeitas não deve extinguir a verdadeira beleza e significado de cada lugar que exploramos. Viajar com um propósito mais profundo, permitindo que exista espaço para a contemplação, a conexão e a verdadeira apreciação da riqueza cultural que o mundo tem a oferecer é uma experiência muito mais rica do que apenas a busca da imagem ideal para partilhar nas redes sociais.