Fui a Paris e não vi a Torre Eiffel

Também não visitei a pirâmide do Louvre, o Arco do Triunfo ou o Sacrée Coeur. E a Notre Damme, que ainda está a terminar as suas obras de restauro, vi-a apenas ao longe. Numa altura em que se discute o impacto do turismo na vida das grandes cidades – um problema que também incomoda a minha cidade natal, Lisboa – a decisão de fazer mais uma viagem faz-me, cada vez mais, refletir antes de o decidir fazer.

Poderia defender que não sou uma turista, mas sim uma viajante, como agora se diz. Porém, para ser honesta, isso soa-me mais a pretenção do que a um verdadeiro conceito de explorador. O facto é que, se eu estou numa cidade por um tempo limitado, sem outro propósito senão alguns pontos de interesse, faço parte do turismo de massas, contribuo para o problema.

Independentemente de me chamar turista ou viajante. Quero deixar claro que o problema não é viajar. Viajar é uma experiência maravilhosa que recomendo a todos. A democratização desta indústria trouxe muitos benefícios em diferentes áreas. O problema reside na forma como viajamos, nas motivações que nos levam a escolher um destino e na maneira como consumimos – seja nas refeições, nas atividades lúdicas ou na compra de souvenirs. Está também nas escolhas que fazemos quanto aos alojamentos e na forma como interagimos com os locais, sejam na abordagem às pessoas que ali habitam o ano inteiro, seja nas filas para visitar atrações icónicas, ou até em algo tão simples como tirar uma fotografia (sobre selfies, já escrevi um artigo, por coincidência também em Paris).

Paris é uma cidade que tem sabido preservar-se, graças a uma gestão cuidadosa e uma cooperação eficaz entre autoridades locais e o governo central. Ainda assim, sabendo que é uma das cidades europeias mais visitadas, questionei-me sobre tudo isto antes de embarcar. Como tantas outras pessoas, não quero deixar de viajar. Mas quero reduzir o impacto negativo das minhas viagens e, se possível, deixar algo de positivo. O que fazer então?

No meu caso, optei por ficar num pequeno hotel de gestão familiar, em vez de um alojamento local gerido por uma empresa anónima ou uma grande cadeia de hotéis. Descobri o Hotel Cluny Sorbonne por acaso e soube que está na mesma família há seis gerações, tendo já alojado grandes pensadores europeus que passaram pela Sorbonne. É um lugar modesto, discreto e familiar que luta para resistir à presão da indústria do turismo. A família divide-se entre continuar na sua desafiante gestão privada ou vender e ir gozar os lucros algures numa ilha tropical.

Ficar na Rive Gauche, num bairro com poucas atrações turísticas, permitiu-me fazer as minhas refeições em pequenos bistrôs, também eles familiares e locais, com preços acessíveis e comida caseira de excelente qualidade. Afinal, se conheço uma ou duas tascas em Lisboa onde ainda se come bem e barato, porque raio não haveria de haver o mesmo em Paris? Com algumas perguntas e consultas em fóruns online, obtive indicações preciosas.

Finalmente, o motivo. Por que razão quereria eu ir a Paris, uma cidade que já conheço, contribuindo para esta sobre ocupação do espaço aéreo, aumentando a minha pegada ecológica e sendo mais uma a atrapalhar a rotina de quem vive e trabalha na cidade? Reafirmo que não me tornei contra as viagens e este não é um texto hipócrita. Quero continuar a viajar porque gosto de o fazer sem sentir a necessidade de me posicionar como viajante ou turista para justificar as minhas escolhas. Desta vez, fui a Paris com um motivo muito particular que – para mim – validou a decisão. Fui ao Musée D’Orsay, um dos museus mais bonitos do mundo, para visitar uma exposição temporária sobre um artista impressionista cuja vida e obra admiro, precisamente pela sua modéstia e generosidade: Gustave Caillebotte. Se ainda não o conhecem, espreitem a sua obra. Ou voltem aqui dentro de algumas semanas, sou capaz de escrever um artigo sobre a sua vida.

Até lá, boas viagens! E, andem por onde andarem, sejam turistas, viajantes, perdidos ou errantes, honrem sempre os locais e as comunidades por onde passarem. Eles têm mais potencial para encher o nosso coração do que uma selfie com o fundo mais impressionante.

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